segunda-feira, abril 14, 2008

A palavra é genocídio

Tão horrendo quanto em 1994, em Ruanda, o massacre em Darfur, no Sudão, já dura alguns anos. Muita discussão, resoluções e nada efetivamente sendo realizado para acabar com mais essa tragédia. Assim como em Ruanda (onde aproximadamente 1 milhão de vidas foram sacrificadas), interesses (e/ou a falta de) e desumanidades travestidos de "diplomacia" ou "política externa ponderada" manda que não se defina a matança como genocídio até que se tenha certeza. Ora, que mais querem? Está mais que provado, relatado, documentado que africanos não-árabes da região de Darfur, no Sudão, estão sendo sistematicamente mortos por milícias árabes (e não-árabes que se juntaram às forças do governo) apoiados pelo mandatário daquele país, presidente Omar Hassan al-Beshir. Um massacre que, ao que tudo indica, é planejado com o intuído de diminuir a resistência e acabar com possíveis opositores de seu governo.

Os relatos mostram a crueldade como tudo é feito. Principalmente em atos contra mulheres e crianças, numa forma de mutilar ou matar o futuro de um país, deixando homens psicologicamente incapazes de lutar, que acabam também sendo mortos; milhares de vidas destroçadas, por gerações. Tudo isso sendo feito hoje, agora.

Como é possível? Os governos que se dizem defensores dos direitos humanos e da democracia fecham os olhos. Outros governos se omitem. A China, por exemplo, continua vendendo suas armas para o governo do Sudão, sendo, ao que consta, o maior fornecedor para esse país. Mas não o único, uma vez que a Rússia também assume acordos de venda. Mas Beijing seria o maior, com negócios que envolvem o petróleo fornecido pelo Sudão e que se torna necessário ao crescimento do país asiático. Apesar de negar ou mesmo dizer que o fornecimento é limitado e que não seria o principal vendedor (só de assumir já deveria ser vergonhoso). Tudo interesse. Nada de humanidade. Esses mesmos países (os que vendem e os que se omitem ou fecham os olhos) parecem torcer para que o genocídio seja conduzido com perfeição, isto é, sem deixar nenhuma testemunha, ninguém para contar as atrocidades que são cometidas.

Mas, por sorte, milagre ou destino, alguns sobreviveram e puderam contar o que viram, o que sentiram e o que sofreram. Um desses é Daoud Hari que, desalojado de sua comunidade, apartado dos seus, chegou a ser aprisionado junto com jornalista para quem serviu de guia (fala árabe e inglês), ao decidir voltar a Darfur e mostrar o que ocorre. Segundo o Democracy Now, Daoud é uma das três pessoas que nos últimos 4 anos foram reconhecidos como refugiados de Darfur nos EUA. Ele escreveu suas memórias no livro The Translator.

Logo, está provado que todos estão recebendo informações dos acontecimentos em Darfur. Todos estão cientes e conscientes do mal que ocorre e são cúmplices. Ficam as perguntas: Por que os governos (falo de pessoas que, com uma assinatura, podem fazer algo para o bem, ou para o mal) não atuam de forma definitiva, seja diplomaticamente com embargos e sanções, seja militarmente, como fizeram no Iraque (por motivos que sabemos não terem sido os melhores, mas que permitiram depor Sadan)?

Após Ruanda, a expressão "Never again" (Nunca mais) foi usada a tordo e a direito. Por que então deixar ocorrer novamente? Qual a desculpa desta vez? E qual será o jargão a ser cunhado quando as contas forem fechadas e os mortos (e refugiados e mutilados e estuprados e dilacerados física, espiritual e emocionalmente) forem contados?


"Near my village is a beautiful mountain we have always called the Village of God. Though the Muslim religion is practiced throughout our area both by indigenous Africans like me and by Arab nomads, it is also true that our people, especially our young people, have always gone up on this mountain to put offerings into the small holes of the rocks.

Perto da minha aldeia existe uma bela montanha que sempre chamamos de Aldeia de Deus. Embora a religião muçulmana seja praticada em toda a nossa região tanto por indígenas africanos como eu e pelos árabes nômades, também é verdade que nosso povo, especialmente os jovens, sempre vai a esta montanha colocar oferendas nos pequenos buracos das rochas.

Meat, millet, or wildflowers may be placed in these holes, along with letters to God, thanking Him or asking Him please for some favor. These gifts and notes have been left here long before the newer religions came to us.

Carnes, milho, ou flores selvagens podem ser colocadas nesses buracos, juntamente com cartas para Deus, agradecendo-O ou pedindo algum favor. Estas oferendas e as notas foram deixadas aqui muito antes de as novas religiões chegarem até nós.

For a young man or woman, a letter may ask that some other young person be chosen for his or her mate. It might be a letter asking that a grandfather's illness be cured, or that the rainy season be a good one, or that a wedding be beautiful and the marriage successful. Or it might simply ask that the year ahead be good for everyone in the village below.

Para um jovem homem ou mulher, uma carta pode pedir que alguma outra jovem pessoa seja escolhida para ser a sua esposa ou seu marido. Seria talvez uma carta pedindo que o avô seja curado de alguma doença, ou um bom período chuvoso, ou que um casamento seja belo e bem sucedido. Ou poderia simplesmente pedir que o próximo ano seja bom para todos na aldeia abaixo da montanha.

So here it is, God: I am up there now in my heart, and I put this book in Your mountain as an offering to You. And I praise You by all Your Names, and I praise our ancient Mother of the Earth, and all the Prophets and wise men and women and Spirits of heaven and earth who might help us now in our time of need."

Portanto, é isso, Deus: em meu coração estou lá agora, e coloquei este livro em Sua montanha como oferenda para Ti. E louvo a ti em todos os Seus nomes, e eu louvo a nossa antiga Mãe-Terra, e a todos os profetas e sábios e mulheres e Espíritos do céu e da terra, para que possam ajudar-nos agora quando tanto necessitamos."

Por Daoud Hari, fragmento da introdução do livro
The Translator: A Tribesman's Memoir of Darfur


Para saber mais
Daoud Hari: A Guide Through the Valley of Death
90% of the weapons for Darfur come from China
China's Involvement in Sudan: Arms and Oil
China's arms sales to Sudan are limited: Envoy
Charles Larson - No one to tell the truth

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