sábado, maio 01, 2021

A menina no mercado

Havia uma menina no mercado. Devia ter uns 12 anos. Talvez menos. Estava atrás de mim no caixa. Tinha dois pacotes de macarrão instantâneo nas mãos. Dois pacotes de miojo. Era final da manhã. Eu estava com minha mãe. Passávamos os itens de nossos dois carrinhos de compras. A menina olhava. Os dois pacotes de miojo nas mãos. Achei que ela me pediria para passar à minha frente, sem saber que os dois carrinhos, de minha mãe na frente, eram  mesma compra. Mas ela permaneceu em silêncio. O caixa também fez uma pausa após o primeiro carrinho. Sugeri que a menina passasse seus dois pacotes de miojo, eu pagaria. Ela passou, o caixa registrou e ela mostrou alguns moedas que tinha em suas pequenas mãos. Percebi e disse que não precisava, pois eu pagaria. Ela me olhou e agradeceu. Olhar gentil, doce, inocente, meio triste meio feliz, simples, singela, delicada. Eu sorri e continuei passando os itens de meu segundo carrinho de compras.

Estava no mercado fazendo compras de itens básicos para doação numa igreja evangélica local, o Ministério Novo Nascimento. Trata-se de uma igreja frequentada por minha sobrinha. A menina do mercado e minha sobrinha talvez tenham mesma idade. Fazia as compras para a segunda doação para a ação social da igreja. Assim como da primeira vez, comprei 10 unidades de cada item. Imagino sendo doados para 10 famílias. Mas os itens também são usados, segundo a missionária da igreja, para o preparo de refeições a serem distribuídas para pessoas em "situação de rua". As aspas eu atribuo à minha incompreensão nessa tentativa de, sob o mantra do politicamente correto, dourar a pílula para falar sobre uma das situações mais tristes: um ser humano, um cidadão, uma família, morando na rua.

Espero que a menina do mercado tenha sempre um lar, uma casa onde possa morar com segurança e dignidade.  

Me recordo que, quando criança, havia um senhor que "vivia" na rua, próximo onde morávamos. Posso afirmar hoje, revisitando meus pensamentos/sentimentos à época, que eu não refletia sobre a situação dele. Ele era o "homem que vivia na rua". Eu era então uma criança, bem mais novo que a menina no mercado. 

Então me vejo em meados dos anos 90, em meu primeiro emprego de fato. Antes, já havia vendido salgadinhos de porta em porta e (não me é claro se antes ou depois) trabalhado num bar arrendado por meu padrinho, onde eu lavava copos, limpava, arrumava... Talvez ainda mais novo que a menina no mercado. Pois bem, 1995 lá estava eu em pleno Centro da Cidade do Rio de Janeiro, trabalhando de office-boy. Um mundo novo, um lugar totalmente diferente da hoje considerada a caçulinha da Baixada, onde cresci. Foi antes da emancipação de Mesquita. A menina no mercado não viveu nessa época, obviamente.

Além dos prédios, da quantidade de veículos e pessoas, do ritmo de tudo aquilo, algo nunca saiu de minha mente. Pela primeira vez vi pessoas vasculhando o lixo e recolhendo restos de comida. Infelizmente não foi a última vez que vi aquela cena.

Mais de duas décadas depois o número de pessoas sem ter o que comer é muito maior, visivelmente. O recorte aqui é Brasil, Rio de Janeiro... 2021.

Viver um vida honesta e regrada, respeitando os outros, com civismo... não basta. Não atrapalhar não basta. É preciso ajudar, no pouco que for, o pouco que for. Acredito (tenho que acreditar) que posso fazer alguma diferença.

Razão para ajudar, razão das doações àquela igreja, razão para eu estar naquele mercado no mesmo momento que a menina. A menina no mercado, com seus dois pacotes de miojo.

Alguns minutos depois de terminadas as compras e feita a doação à igreja, em conversa com minha mãe eu recordei a menina. Imaginei se os dois pacotes de miojo seriam o almoço de sua família. E chorei. Minhas lágrimas não complementarão a alimentação da menina no mercado. Não darão abrigo aos sem teto, nem aplacarão a fome de tantos. Minhas lágrimas são o que são. Tenho consciência disso. Mas chorei. E choro. 

Não tenho me sentido bem nos últimos tempos. Me sinto confuso, triste, com medo, sem forças. 

Mas tenho consciência de que meus atos e minhas orações devam ser para que a menina no mercado tenha certeza de dias melhores, tenha alegria em sua vida, não sinta medo e seja forte.


quinta-feira, novembro 01, 2018

Brasil, Brasileiro... Música

Moro no Brasil - Farofa Carioca

Moro no Brasil
Não sei se eu moro muito bem ou muito mal
Só sei que agora faço parte do país
A inteligência é fundamental (...)




A Verdadeira Dança do Patinho - BNegão

Eles traçam e destraçam o seu caminho - É a dança - dança do patinho
Eles mandam uma qualquer e tu leva fé direitinho - É a dança - dança do patinho (...)




Brasis - Seu Jorge

Tem um Brasil que é próspero
Outro não muda
Um Brasil que investe
Outro que suga...


sexta-feira, agosto 10, 2018

Nos importa o passado?

Rio de Janeiro. De ontem. De hoje. Nosso passado. Nosso presente. O futuro? Quem sabe?

Gosto muito de caminhar pelas ruas do Rio. Nem sempre é algo fácil, prazeroso, belo. Mas os buracos, que são muitos, e as pedras portugueses desrespeitadas nos ensinam. Atenção para onde vamos, onde pisamos é um dos ensinamentos. Nem todos passam nos muitos testes.

A incomoda obra do VLT é mais um dos muitos incômodos da engenharia da mudança, que vai moldando a cidade ao longo dos anos, dos séculos.

Atualmente é a Rua Marechal Floriano, outrora Rua Larga, que se prepara para o amanhã. E, para ganhar a nova vestimenta, precisa se desnudar da atual. E é nesse ponto que o passado se faz presente. 

Várias são as estrutura do que ali existiu. Arqueólogos se espalham escavando, limpando, tentando "ver" o passado. 

Hoje caminhei por aquele passado. Notei uma aglomeração de pessoas, incluindo equipe de televisão, observando trabalhadores no ponto próximo ao Colégio Pedro II. Mais ruínas vindo à tona. 

Pouco depois li que naquele local "foram achados alicerces e poços de uma loja de venda de escravos, que funcionou provavelmente nos anos 1860 e 1870". 

Vejam só. Pessoas livres observando as chagas do passado cativo. Sempre me pergunto o que estariam pensando...

Próximo daqueles presentes curiosos com o passado havia um senhor. Calculo que tinha entre 60 e 70 anos. Não menos. Talvez mais. Mendigava. Um verbo feio, triste, duro, cujo substantivo reforça nosso subdesenvolvimento. Um senhor negro, como tantos outros. 

Não me escapou a triste ironia. Aquele senhor tão presente era nosso passado. Nossa ruína em carne, ossos, roupas sujas, olhar triste e mãos estendidas. 

Mas todos ali olhavam para a nossas ruínas de pedra, terra e objetos inanimados. Estendiam as câmeras seus smartphones, seus olhares, seu interesse...por um passado. 

Enquanto isso...

segunda-feira, outubro 23, 2017

Rio de Janeiro. Belezas e Mazelas

O Rio de Janeiro conta com pontos turísticos naturais e outros tantos frutos de trabalhos arquitetônicos e paisagísticos. 

O descaso dos governantes ao longo de décadas nos legou muitas mazelas, muitas feridas abertas, onde um grande número de pessoas sofre, sem opções, sem perspectivas. 

Parece absurdo, mas existe uma curiosidade mórbida, uma espécie de fetiche de algumas pessoas que consideram a pobreza, os problemas, a miséria como "atração turística". 

Hoje ocorreu uma tragédia que, em parte, provocada por essa "preferência turística". Uma preferência explorara comercialmente por diversas agências de turismo. Basta fazer uma busca simples no Google: "Favela Tour". 

Temos de parar de glamorizar nossas mazelas, nossa miséria.


sábado, setembro 30, 2017

Internet World’97

Lá se vão 20 anos. Era setembro de 1997. Copacabana. Rio de Janeiro. No local hoje funciona o Hospital Copa D´Or, mas há 20 anos ali havia o Hotel Copa D´Or.

Dois anos antes, a internet havia transposto os muros das universidades e instituições de pesquisa e se tornado acessível ao público. Poucos a conheciam e um grupo menor vislumbrava até onde aquilo tudo poderia nos levar. E, claro, como ganhar dinheiro.

Eu trabalhava como analista de suporte numa empresa de consultoria em informática e telecomunicações (Easy Informática), comandada pela dupla de profissionais de grande competência, Jorge Amaral e Lia Aversa - aos quais agradeço o privilégio do período de aprendizado.

E lá fomos participar, com tantos outros congressistas, participar do Internet World’97, 6º Congresso Internacional sobre Internet e 6ª Exposição Internacional de Produtos e Serviços para Internet. Era tudo novidade. Tudo possibilidade.

Lembro que um dos palestrantes foi Marcelo Madureira, do Casseta&Planeta. Não pensem que foi só piada. Pelo contrário. Marcelo demonstrou grande conhecimento em tecnologia, além de ter vivenciado aquele bicho estranho chamado Internet antes deste “escapar” dos muros das universidades. E ele trouxe mais possibilidades que se consolidavam no Casseta no ambiente digital.

Tudo isso antes do Facebook, antes do Twitter, antes do Whatsapp, antes do Instagram. Pessoal, tudo isso antes do Google!




domingo, setembro 03, 2017

Passado, Presente, Futuro

No passado me disseram
Para pensar no futuro
Durante aquele presente

Então naquele passado
Eu pensei no futuro 
sem viver
O que pude daquele presente

E aquele passado passou
E num presente estou 
sem saber
Se meu futuro chegou

quarta-feira, março 29, 2017

O emprego

Eis uma animação, belíssima, de Santiago Grasso, um cineasta argentino que demonstra muita sensibilidade e consegue nos fazer refletir sobre as relações humanas no trabalho, sobre o trabalho que exercemos para os outros, sobre o trabalho que os outros exercem para nós... 
Somos patrões? Somos empregados? 
Somos o sapato? Somos o capacho?
Sobre a relevância e a irrelevância do que fazemos.
Sobre a visibilidade e a invisibilidade do que fazermos.

A menina no mercado

Havia uma menina no mercado. Devia ter uns 12 anos. Talvez menos. Estava atrás de mim no caixa. Tinha dois pacotes de macarrão instantâneo n...