quarta-feira, abril 23, 2008

Ausência

A morte da menina Isabela é algo que está superando, ou já superou, outra tragédia ocorrida há pouco tempo, que foi a morte do menino João, no Rio de Janeiro, após ser arrastado preso ao carro durante um assalto. Isso não é uma competição, mas faz sim lembrar o caso que, depois de algum tempo, esmaeceu no pensamento, nas rodas de conversa, na mídia. Manifestações acaloradas, família sufocada por uma cobertura maciça que durante algum tempo não permitiu, assim como faz agora, algo que hoje parece “morto”: o luto. O luto está, cada vez mais, ausente.

Um aspecto que me fez pensar em ambas as tragédias humanas e também diz respeito à ausência, foi uma passagem de um livro que estou lendo. Diz assim “… o Bem e o Mal não existem em si mesmos, cada um deles é somente a ausência do outro”. O livro é O Evangelho Segundo Jesus Cristo, de José Saramago. Apesar de todas as evidências, e mesmo considerando as contra-evidências, não me prendi muito, até o momento, ao fator “criminoso”, mas ao fato em si. A tragédia, em todos os sentidos, que é o assassinato de um ser humano, agravada por todas as características de violência e, mais ainda, mas não menos, pelo fato de ser uma criança a vítima. Ali, creio eu, houve a ausência do Bem, prevalecendo assim, o Mal.

Esse fator, a ausência do Bem, é o que podemos notar em muitos pontos de nosso dia-a-dia. Desde aquele agente público, não apenas os políticos, que desviam verba pública e, como conseqüência, “promovem” a miséria material e espiritual de tantos; ou na violência contra a mulher, seja na agressão em casa, nos casos de estupro (que parece incorporado às táticas militares nos combates em Darfur, por exemplo); nos maus tratos com as crianças; nas agressões a pessoas idosas… São muitos os exemplos de ausência do Bem. Essa semana, por exemplo, li nos jornais o caso de uma mulher, no subúrbio do Rio, que mantinha seus filhos adotivos em cárcere privado, agredindo-os e torturando-os, inclusive com a restrição de alimentos. Isso mesmo, além da tortura (agressões físicas, psicológicas, uso de correntes para mantê-los presos) ela os fazia passar fome como castigo por coisas banais. Leia aqui.

Ainda não vi cobertura para tal caso nos telejornais, que se ocupam quase que exclusivamente do caso Isabela. Ambos os casos têm, em minha humilde opinião, o mesmo determinante: a ausência do Bem. Mas acaba por nos remeter a outro tipo de ausência, desta vez da imprensa. E não estou aqui diminuindo a importância de um caso ou de outro. E também não quero dizer que deveriam, ao invés de disponibilizar 20 minutos num telejornal para um único caso-tragédia, dedicar 10 minutos para cada. Isso seria reducionismo estúpido. Quero apenas observar que, quando muito olhamos para um lado, nos esquecemos de outro. E a imprensa deveria manter seu papel jornalístico de forma abrangente. Gostaria, sim, que não deixassem de lado os vários acontecimentos da sociedade. A imprensa está se fazendo ausente, ao acampar em frente uma delegacia ou um prédio, palco de uma tragédia e sendo repetitiva, maçante.

Os que me conhecem sabem minha origem: Mesquita, Baixada Fluminense. Lugar e região que despertam medo, receio, preconceito. Sinônimo de pobreza, miséria, violência. E ausência, desta vez, do Estado. Mas o foco não é esse no momento. É apenas uma introdução para comentar algo que ouvi de um dos diversos “especialistas” que apareceram na televisão para analisar o caso Isabela. A este, que não lembro o nome nem a especialidade, foi pedido que opinasse sobre o furor que causa o crime, com pessoas se manifestando de diversas formas e intensidades. O “especialista” disse algo interessante sobre o fato de o caso, mais especificamente os envolvidos e suas vidas, terem características parecidas com a classe, digamos, “dominante” (não foi essa a expressão exata, mas a essência da declaração). Pessoas com renda boa, moradia legal, família, estrutura, formação. Ali não vemos pessoas carentes em áreas carentes onde o crime parece algo comum e, para os que assistem “do outro lado” é esperado notícias de violência ou desmazelo. Com certeza há pessoas que ainda esperam que o criminoso, com as características que se espera de um, apareça. Assim, se sentiriam aliviadas. Pois bem, pergunte a alguém em Mesquita (ou em qualquer outra área pobre, onde a violência não é uma simples reportagem num telejornal) sobre violência e tomarão conhecimento de casos horrendos, onde o ser humano perdeu a característica de ser humano, onde o Bem, assim com a imprensa, se ausentou.

A explicação do especialista pode ser exemplificada também quando jovens da classe média e/ou alta, presos por roubo, tráfico, agressão. Quando o estereótipo do criminoso e do local violento (pobre e/ou preto e morador de favela, da Baixada, do morro) é quebrado, isso assusta a muitos. É inesperado, singular, errado.

E voltando a falar na cobertura e na reação das pessoas, dá impressão que outro caso de ausência se faz presente. Seria a ausência do senso de realidade. Pessoal, Isabela, a menina, não é uma personagem de uma série ou novela que estará presente num outro papel (opa, não tô aqui contestando a reencarnação). Aquela tela rasgada na janela com não é parte de um cenário que será desmontado para uma próxima produção. O crime hediondo não é o mote, a trama principal. É tudo real. Uma criança sofreu um ato terrível de violência, foi estrangulada e jogada pela janela de um apartamento. Essa ausência do senso de realidade é bem percebida na reação das pessoas, no teor dos comentários, que parecem aguardar o próximo capítulo. Notem bem a expressão das pessoas que se aglomeram seja em frente à casa dos pais do casal, ou do prédio ou da delegacia. Alguns parecem até estar rindo, como que aguardando o aparecimento de um astro, que tem algum papel de protagonista ou antagonista, naquilo que parece ter se tornado a “última grande produção”. Mas, como disse, é tudo real. Triste, revoltante, violento, assombroso, incompreensível e inexplicável, mas real.

2 comentários:

selmiha disse...

No caso Isabela ouve a entrevista com o casal, no qual eles falaram que os dois filhos,(cauam e pietro)quando eles voltaram da prisão para casa, os filhos os rejeitaram,pois aí é que tá,as crianças viram toda cena do crime dentro do carro e ficaram com medo dos dois,viram também no apartamento.Mas isto a mídia nem se ligou em falar,ou foi falta de atenção,pois na entrevista quem falou ,que as crinças os rejeitaram foi a Ana Carolina (O montro).Agora eles tem que sofrer e apodrecer na cadeia!

selmiha disse...

Sobre o caso Isabela,todos falam tudo,mas nunca ouvi falar sobre as crianças,os dois filhos,pois a propria Carolina Jatobá,naquela entrevista falou.Que quando voltou para rever os filhos,as crianças os rejeitaram,porque os rejeitaram?Tá na cara que as crianças ficaram morrendo de medo dos próprios pais,porque viram toda cena dentro do carro!Será que ninguém observou isto.

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