domingo, novembro 29, 2009

Me lembrei do poço

Até há alguns anos eu, minha mãe e minhas irmãs morávamos numa casa deixada por uma tia-avó em Mesquita. Na origem, o local era uma única residência, construída por minha avó. Mas foi desmembrada de modo a abrigar várias pessoas de minha família.

Hoje, totalmente descaracterizado, o lugar pouco guarda do que foi antes. Um item ficou. O poço. Na verdade uma espécie de mina d'água, usada para diversos fins e, mesmo antes da escassez que se acentua hoje na localidade, já tinha sua importância.

Infelizmente, meus familiares não se davam conta disso. E o abandono daquele ponto especial me entristecia. Mesmo após ter saído de casa, quando retornava em visita sempre me dirigia à parte dos fundos para ver como estava o poço e a área ao redor. Me doía ver tudo alagado, com lodo e lixo.

A ação era automática. Pegava vassoura para limpar a área e, com um balde, diminuía o nível da água no poço, de modo a permitir uma renovação daquele bem tão precioso. Além de renovar a água, o esvaziamento beneficiava o terreno, uma vez que diminuía a infiltração nas casas. Garantindo uma maior estabilidade da estrutura das construções, evitava mofo nas paredes e móveis. A limpeza do quintal evitava acidentes, os escorregões no lodo acumulado, tropeções em madeiras, pedras, lixo... Também contribuía para combater e diminuir a incidência de mosquitos, ratos, lacraias, baratas... Contribuía assim para a saúde, não apenas dos moradores das casas ao redor do poço, mas dos vizinhos.

Tentei instigar nas crianças, meus primos mais novos e minha irmã, a importância daquilo tudo. Tentei.

Enquanto o poço era deixado de lado, festas aconteciam, utilitários domésticos de valor considerado eram comprados, computadores, televisões, móveis... E a estrutura local se deteriorava cada vez mais.

Não pensem que não vejo importância em itens de consumo como os citados acima. Tenho meu computador, gosto de assistir televisão, considero importante o conforto com mobiliário bom, gosto de festas. Mas não posso deixar de relativizar essa tal importância. É mais ou menos como você ter uma mesa de madeira, com pregos enferrujados aparentes, cheia de cupins, quase caindo, oferecendo risco de acidentes a cada utilização e, mesmo com isso tudo, você compra a mais bela e cara toalha de seda para forrá-la. Uma ilusão.

A perniciosidade contida nessa visão fantasiosa e deturpada do que é bom, do que é importante, não se reflete apenas dentro dos muros da casa. Se reflete em toda a sociedade, por exemplo, em tempos de eleição quando programas de saneamento e educação são preteridas por promessas de festas, bolsas disso e daquilo...

É uma espécie de imediatismo cego que - embora consequência [a meu ver] de toda a política de ignorância e manutenção de desigualdades conduzidas ao longo de séculos -chega a ser egoísta. Pois, se eu penso em deixar a superfície da mesa bonita para um momento, não estou me preocupando se a mesa pode prejudicar alguém mais tarde.

Toda essa exposição confusa de idéias que tenho como certas e credíveis em minha mente, em meu caráter, surge e é apresentada por consequência de um programa que assisti recentemente. O vídeo, postado abaixo (se preferirem a página do progrma, cliquem aqui), é auto-explicativo, mas gostaria que prestassem atenção ao ambiente e estrutura da casa apresentada e alguns objetos de consumo presentes da residência.

Não direciono minha indignação às pessoas do programa. Isso já o fiz em âmbito familiar, travando minha própria luta. Minha intenção aqui é lançar um olhar crítico no que nos é apresentado, no que vemos, vivemos e fazemos. E, é claro, gerar pelo menos uma reflexão.

Quanto ao poço… não tenho notícias, mas tenho saudades.

sexta-feira, novembro 20, 2009

Nós, os outros

Ontem, sentado no ônibus voltando do trabalho para casa, ao olhar pela janela vi duas meninas sentadas no último banco do coletivo ao lado. Elas se beijavam. Com sorrisos nervosos, tentando se esconderem de quaisquer olhares, tentando refrear o impulso que as empurrava uma para outra. Como se estivessem a cometer um crime ou uma travessura, elas tentavam, também, ocultar aquele ato de afeto.

Tenho muitos preconceitos. E reconheço que o primeiro pensamento ao ver a demonstração de carinho e desejo entre dois seres humanos do mesmo sexo não foi dos mais nobres.

Nessa mesma semana, estava conversando com uma amiga sobre a estranheza que nos toma conta diante de uma situação que deveria ser simples e natural. Temos amigos e amigas gays – que prezamos e respeitamos – e, mesmo assim, não conseguimos agir com naturalidade diante do que é natural para tais amigos e amigas. E, mais ainda, quando o natural se manifesta em desconhecidos.

Durante essa conversa eu disse algo que irei repetir aqui, talvez como forma de um exercício a ser praticado não apenas por mim. Eu disse: “Sou heterossexual e manifesto minha sexualidade, minha orientação sexual, dentre outras formas simples e naturais, beijando minha mulher, andando de mãos dadas com ela, abraçando-a… Como seria se não me fosse permitido expressar essa sexualidade em público?

É como o enredo do filme A cor da fúria, estrelado por John Travolta e Harry Belafonte. Para quem não sabe, o filme é de 1995 e se passa numa sociedade estadunidense onde a questão racial (de cor da pele) é invertida. Os negros ocupam as camadas mais altas da pirâmide social, com todos os benefícios e privilégios, e os brancos são relegados às bases, sofrendo todo tipo de preconceito e discriminação. Uma paralaxe conceitual interessante. Faz refletir. Trazendo para o caso aqui abordado, ao invés da questão da cor da pele (e das questões sociais inerentes), imagine se inversão estivesse na orientação sexual.

Estaria eu levantando a bandeira GLBT ou algo do tipo? Não necessariamente. Levanto a bandeira da humanidade, do respeito, da tolerância e da coerência. Para mim e para todos.
A continuidade da web e o acesso à informação

Em Março deste ano escrevi duas postagens sobre acesso e preservação da informação em meio digital. Ambas relacionadas com os links, endereços de internet (web sites) que nada mais são que uma referência, um meio de acesso a uma informação armazenada na Internet.

A primeira postagem foi sobre informações que não mais estavam acessíveis uma vez que seus links haviam sido alterados ou removidos. E, quando no segundo caso, sem recurso de redirecionamento automático para o novo “local”; algo relativamente simples para os informáticos. O título da postagem é Link perdido, acesso comprometido.

A segunda postagem foi um exemplo prático da primeira. Naquela mesma época, os jornais International Herald Tribune e o NY Times se “fundiram”, prevalecendo o segundo. Naqueles dias, todos os links de reportagens (todos as referências de documentos) do IHT – e eu tinha alguns – eram direcionados para a página principal do NY Times. É como se a ficha de um livro numa biblioteca lhe conduzisse sempre a recepção dessa instituição, agora com outro nome. O título da postagem é Péssimo exemplo.

Pois bem. Hoje, li uma matéria sobre o projeto do Arquivo Nacional da Inglaterra (The National Archives – UK) chamado Web Continuity (algo como Continuidade Web). O projeto, a ser lançado oficialmente no próximo mês, é de grande importância no âmbito da preservação digital de arquivos públicos.

O Web Continuity foi apresentado em Dezembro de 2008 por Amanda Spencer, chefe do projeto, na 4ª Conferência Internacional de Curadoria Digital (4th International Digital Curation Conference) , evento organizado pelo DCC (Digital Curation Centre) . O trabalho, entítulado UK Government Web Continuity: Persisting access through aligning infrastructures (Persistindo o acesso através de alinhar as infra-estruturas) pode ser lido aqui.

Spencer faz um comentário interessante, que nos faz pensar na origem dessa cultura de não se preservar o link. “Quando foi criada, a internet era considerada como efêmera. As páginas web não eram vistas como documentos que precisavam ser preservados.” Hoje sabemos que muitos documentos importantes, para a administração pública, por exemplo, só existem em meio digital com acesso via internet. Garantir esse acesso é garantir não somente o funcionamento adequado do Estado, mas a nossa cidadania.

A propósito, buscando referências antigas de matérias do antigo International Herald Tribune, posso ver que o redirecionamento automático foi enfim implantado. Ponto para o grupo NY Times. A web continua!

domingo, novembro 15, 2009


Quingentésima
500

Lá se vão quase três anos da inauguração do TUIST e a primeira postagem. Aproveito a oportunidade, a efeméride dos 500, para repetir aqui dois vídeos. Na verdade são montagens feitas por este blogueiro, com músicas e imagens que, considerando as celebrações da Consciência Negra, são bem oportunas. A primeira traz o Nkosi Sikelele, um hino de libertação e união para fortalecimento. A segunda é uma homenagem que fiz e faço às mulheres Africanas, lindas e cheias de força. Agora são outros 500! Até lá!

It's been almost three years of the inauguration of the first TUIST post. Take this opportunity, the anniversary of 500, to repeat here two videos. They are video assemblies there that I made, with music and some images and, considering the celebration of Black Consciousness, its a good time to repeat them. The first brings the Sikelele Nkosi, an anthem of freedom and unity to strengthen. The second is a tribute I did and do for African women, beautiful and full of strength. Let's wait for another 500! See you there!





A imagem acima do título é o símbolo Adinkra NKONSONKONSON
que significa "o elo ou a corrente". É o símbolo das relações humanas.
Símbolo da unidade, interdependência, fraternidade e cooperação.
A união faz a força!

The image above title is the Adinkra symble NKONSONKONSON
that means "the link or the chain". Symbol of human relations.
Symbol of unity, interdependence, brotherhood, and cooperation.
A reminder to contribute to the community, that in unity lies strength!

Fonte: Adinkra: sabedoria em símbolos africanos = african wisdom symbols

sábado, novembro 14, 2009

Coloquem na Ordem do Dia! Já!

Eu mesmo já critiquei (e continuo criticando) algumas ações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. As imagens repetidas vezes veiculadas nos telejornais mostram como uma minoria busca externar seu descontentamento com uma injustiça histórica que tem como fruto as mazelas reais e contemporâneas, que também vemos, não apenas na televisão e impressos, mas em nosso dia-a-dia. Embora muitas vezes a conexão da causa com o efeito se faça difícil, as consequências das injustiças e barbaridades cometidas no campo, a forma como os "poderesos" se perpetuaram, podem ser percebidas em nosso cotidiano. Basta parar e refletir. Os fatores exploração e desigualdade caminharam juntos para construir a realidade brasilieira, assim como de outros países. E ainda caminham. O que alimenta isso tudo são os desinteresses e interesses de uns e de outros ou, como demonstrarei, de uns e dos mesmos.

O Brasil é notoriamente um dos países onde o trabalho escravo é mais combatido. Temos aí o Grupo de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego, que faz um ótimo serviço. Mas parece algo paleativo. Um crime tão hediondo como a exploração do trabalho escravo deve ser combatido com toda força da sociedade e do Estado. E até que doa no bolso dos criminosos, os grande fazendeiros neo-escravocratas, essa ferida história continuará aberta.

Um importante recurso legal está parado praticamente desde sua proposição. Trata-se da Proposta de Emenda à Constituição número 438 de autoria do Senado Federal Ademir Andrade do PSB/PA. A PEC do Trabalho Escravo, como ficou conhecida, foi apresentada ao Senado Federal em 1° de Novembro de 2001. Clique aqui ou aqui para ver o diário da Câmara dos Deputados onde a PEC foi publicada.
A PEC estabelece "a pena de perdimento da gleba onde for constada a exploração de trabalho escravo (expropriação de terras), revertendo a área ao assentamento dos colonos que já trabalhavam na respectiva gleba. Altera a Constituição Federal de 1988.". Resumindo, se constatado trabalho escravo, perde a fazenda!

E, pelo histórico do andamento na Câmara, que podemos consultar aqui, pode-se ver os desinteresses e os interesses dos ilustres parlamentares. Desinteresse em mudar a triste realidade social, onde em pleno século 21 temos a utilização do trabalho escravo como "ferramenta produtiva" e ao mesmo tempo o interesse desse mesmo grupo (e seus asseclas) em manter as vantagens obtidas ao longo da história.

Fazer com que cães larguem tão suculento osso é mesmo difícil. Mas não impossível.

Existem um abaixo-assinado pela aprovação imediata da PEC 438/2001, a PEC do Trabalho Escravo. Até o momento, cerca de 165890 aderiram tanto na versão em papel, como também via Internet. É pouco, mas é um começo.

quarta-feira, novembro 11, 2009

Se liga na real!

O TUIST está prestes a completar 3 anos e a postagem número 500 está próxima! O que foi escrito desde o "lançamento" deste blog em Dezembro de 2006 de certa forma refletiu minha vida, meu pensamento, meus medos, meus preconceitos, minhas angústias, emoções, raivas... Mas também pude externar meu carinho, meu afeto, minha dedicação, meu amor, por coisas, pessoas, momentos... Os textos e recursos multimídia (vídeos, músicas, figuras) postados também refletiram momentos da sociedade. E não apenas do Brasil. Minhas reflexões contemplaram vários países na Europa, Ásia, Américas, África. Política, economia, questões sociais e humanitárias, acadêmicas... enfim, uma série de temas, vários assuntos.

Dentre as questões sociais e humanitárias, em alguns textos eu abordei a violência. E as drogas. Recentemente, numa conversa com um amigo, falamos da questão da influência (do meio, dos colegas, da família) no desenvolvimento de uma criança. Embora o assunto não estivesse relacionado ao uso de drogas, é fácil perceber uma ligação entre o uso/consumo de entorpecentes e a influência sofrida (pela criança, adolescente, jovem) do meio em que se vive, das pessoas, familiares ou não, com quem convive.

Sou um medroso! Tenho medo que situações tristes, difíceis e trágicas aconteçam ou voltem a se repetir. Vivi uma situação na qual a influência teve papel determinante no que culminou numa tragédia com ente querido.

Penso que espaços estão aí para serem preenchidos. E não me refiro ao "físico", mas ao emocional, ao moral, ao intelectual, ao dos valores... Quando esses espaços não-físicos deixam de ser preenchidos com algo positivo, cria-se condições para o que "não desejamos aos nossos filhos". Mesmo não sendo pai, hoje vivo uma angústia dessas. O ser humano é um ser influenciável por natureza.

Penso que o medo me permitiu estar aqui, ileso (pelo menos fisicamente). A essa emoção salvadora em alguns momentos, algumas vezes juntou-se a informação que, consequentemente, me permitiu uma reflexão. Aquele famoso "pesando os prós e os contras". É claro, sendo um ser pseudo-racional, atitudes erradas, mesmo nessas condições, podem ser tomadas. Mas, a partir do momento em que temos subsídios decisórios (informação) e alguma perspectiva (que pode ser esperança, sonho) creio que as idéias se iluminam. Da mesma forma, tirando a informação (por exemplo, numa sociedade deficitária no nível educacional) e/ou a perspectiva (estrutura familiar fraca, poucas oportunidades e muitas barreiras, falta de condições para uma vida digna, falta de apoio e exemplos), o que se impõe é uma visão obscurecida da vida. Neste último caso o espaço não-físico é facilmente preenchido por...

Nos últimos meses tenho notado um aumento expressivo no número de jovens (muitos ainda crianças) sobrevivendo nas ruas aqui próximo. Alguns desses jovens praticam delitos que, quando muito, são "tratados" de maneira paleativa pelo Estado. O consumo de drogas é feito a qualquer hora do dia. A cola e o tiner são os mais usados. Mas o crack também é uma realidade.

Com excessão de alguns casos onde a tragédia se deu num ambiente familiar relativamente constituído e de pessoas com certa condição social, o que sobra (e é a grande maioria) é tratado no coletivo. Essas micro-tragédias de pessoas já "invisíveis" socialmente, é colocada num único bolo. Logo, não se vislumbra uma mudança a curto ou médio prazo.

Mas talvez (e aqui entra a esperança "que nos move") seja possível criar condições melhores com a influência certa. A informação nesse caso é essencial. Ela dá subsídios, ou mesmo traz o medo, faz refletir, avisa.

No caso das drogas, essa informação, esse aviso, algumas vezes é melhor percebido quando vindo daqueles diretamente ligados a essa tragédia social e de saúde pública: um drogado (para saibamos onde aquilo pode levar), um familiar (para termos alguma noção, mesmo que distante, da tristeza e dor que pode causar), ou um traficante minimamente coinsciente das causas e efeitos de seu "ofício" (para mostrar um pouco do sua visão sobre o produto e mercado consumidor).

Tomei conhecimento de um dessas oportunidades de esclarecimento através de um artigo de Zuenir Ventura para o jornal O Globo, publicado em 07 de Novembro de 2009 e entitulado "Quem vende sabe"



O artigo de Ventura cita uma entrevista com um traficante, feita pelo membro do AfroReggae, José Júnior. Assista abaixo e se liga na real!

A menina no mercado

Havia uma menina no mercado. Devia ter uns 12 anos. Talvez menos. Estava atrás de mim no caixa. Tinha dois pacotes de macarrão instantâneo n...