Comércio a sangue frio
Anteontem, quarta-feira, dia 20 de junho, o NY Times publicou uma matéria intitulada In the Amazon, Giving Blood but Getting Nothing sobre uma empresa americana que estaria comercializando sangue de tribos brasileiras na internet.
Fui conferir. A empresa se chama Coriell Cell Repositories, tem sede em New Jersey. As amostras de sangue vendidas no site da empresa são das tribos Surui, Karitiana e Ianomâmi (apesar deste último não estar mais no site). A empresa também comercializa amostras de tribos do México (Pima, Quéchua) e do Equador (Auca), dentre outras. 0.050 mg de amostra de DNA sai por aproximadamente 55 dólares e 1.0 ml da cultura de sangue fica em 85 dólares.
Vê-se então que é “normal” esse tipo de comércio. O que complicou foi a forma de coleta. Segundo os índios brasileiros a empresa fez a coleta prometendo ajuda com medicamentos, o que não se concretizou. E também não foram informados de futura comercialização de seu sangue.
A empresa diz que não fez nada de errado, que está tudo dentro da lei. Mas têm-se aí uma completa desconsideração pela cultura e despreparo para um diálogo intercultural por parte dos "cientistas". O desrespeito chega mesmo a questões religiosas. A reportagem cita o fato de ianomâmi acreditarem que a alma só descansará quando todo o corpo (incluindo o sangue) forem queimados.
O que também fica claro é o despreparo das autoridades brasileiras responsáveis por fiscalizar e coibir esse tipo de prática. Já vimos algo parecido com ervas, frutas e pequenos animais. Agora surge essa denúncia, publicada num jornal americano (por mim tanto faz, mas mostra a falta de informação daqui), sobre sangue indígena, coletado nos anos 70 e 90, sendo vendido na internet. Todo mundo sabe mais ninguém viu.
Anteontem, quarta-feira, dia 20 de junho, o NY Times publicou uma matéria intitulada In the Amazon, Giving Blood but Getting Nothing sobre uma empresa americana que estaria comercializando sangue de tribos brasileiras na internet.
Fui conferir. A empresa se chama Coriell Cell Repositories, tem sede em New Jersey. As amostras de sangue vendidas no site da empresa são das tribos Surui, Karitiana e Ianomâmi (apesar deste último não estar mais no site). A empresa também comercializa amostras de tribos do México (Pima, Quéchua) e do Equador (Auca), dentre outras. 0.050 mg de amostra de DNA sai por aproximadamente 55 dólares e 1.0 ml da cultura de sangue fica em 85 dólares.
Vê-se então que é “normal” esse tipo de comércio. O que complicou foi a forma de coleta. Segundo os índios brasileiros a empresa fez a coleta prometendo ajuda com medicamentos, o que não se concretizou. E também não foram informados de futura comercialização de seu sangue.
A empresa diz que não fez nada de errado, que está tudo dentro da lei. Mas têm-se aí uma completa desconsideração pela cultura e despreparo para um diálogo intercultural por parte dos "cientistas". O desrespeito chega mesmo a questões religiosas. A reportagem cita o fato de ianomâmi acreditarem que a alma só descansará quando todo o corpo (incluindo o sangue) forem queimados.
O que também fica claro é o despreparo das autoridades brasileiras responsáveis por fiscalizar e coibir esse tipo de prática. Já vimos algo parecido com ervas, frutas e pequenos animais. Agora surge essa denúncia, publicada num jornal americano (por mim tanto faz, mas mostra a falta de informação daqui), sobre sangue indígena, coletado nos anos 70 e 90, sendo vendido na internet. Todo mundo sabe mais ninguém viu.
Um comentário:
Trabalho Médico Ético e Não Biopirataria
Em diversas reportagens recentes publicadas em jornais e websites do Brasil e do Exterior, o meu nome aparece ligado a atos de biopirataria, sem que eu jamais tenha sido ouvido por estes veículos. As reportagens referem-se a uma CPI na Câmara Federal e a um inquérito sobre a venda de células sanguíneas dos índios Karitiana e Suruí, de Rondônia, pelo laboratório Norte americano Coriel Cell Repositories.
Em agosto de 1996, eu trabalhei entre os Karitiana como antropólogo consultor em um documentário para o Canal Discovery e, como sou também médico e sanitarista, pude constatar sua precária situação de saúde e a total ausência de profissionais de saú de na aldeia. Após as filmagens do documentário (que foi ao ar no Canal Discovery em 1997), eu fui convidado pelo Chefe Garcia, em nome da Associação Karitiana, para permanecer entre eles e os ajudar com atendimento médico emergencial. Após receber o "okay" do chefe do posto da Funai na aldeia, durante três dias realizei consultas, exames e prescrições às pessoas que me procuraram naquele posto e depois, também a pedido dos Karitiana, por algumas horas na Casa do Índio.
Para estabelecer o diagnóstico complementar de certas doenças, algumas amostras de sangue foram colhidas daqueles que estavam mais doentes ou de quem não pude fazer um diagnóstico clínico adequado, e levadas para análise na Universidade Federal do Pará, onde todo o material permaneceu depositado até ser solicitado pela Justiça de Rondônia, para quem as 54 amostras foram entregues em 1998. Como eu dispunha apenas de um kit para emergências médicas, que me acompanha sempre que vou à Amazônia, e não estava preparado para atender a uma tribo inteira, pois não era esse o propósito de minha entrada na aldeia, apenas poucas amostras foram coletadas, das pessoas que eu não consegui estabelecer claramente um diagnóstico clínico. O sangue por mim coletado não saiu do Brasil e não teve, em hipótese alguma, destino comercial, visto ser isto contra a minha ética e os princípios morais dos pesquisadores e instituições com os quais trabalho. Ele foi coletado apenas para ajudar no diagnóstico de doenças, procedimento médico regular, de acordo com o artigo 57 do Código de Ética Médica.
Eu, com apoio voluntário de Denise, minha acompanhante na ocasião, que é brasileira, não é profissional de saú de, como acusam algumas reportagens, e ajudou com atividades lúdicas apenas, prestei atendimento médico aos Karitiana em caráter voluntário, humanitário e emergencial; não lhes prometi atendimento futuro, e não fiz nada que lhes fira os interesses. O relatório das atividades médicas emergenciais desenvolvidas na aldeia foi enviado à Associação Karitiana, à Funai de Rondônia e de Brasília, ao CIMI de Rondônia, a Procuradoria Geral de Rondônia e a duas CPIs da Câmara Federal sobre biopirataria. Eu jamais estive entre os Suruí, ou em qualquer outra aldeia indígena no Brasil. Em 1997 e em 2005, ambas as CPIs reconheceram que não há qualquer relação entre meu trabalho médico emergencial e o material indígena a venda nos EUA.
Uma simples busca na Internet, mostra que o material a venda no exterior provém da coleção Stanford/Yale, e foi coletado na década de 1980 por pesquisadores norte-americanos, possivelmente com a permissão da Funai, e já estava sendo vendido na Internet, desde abril de 1996, portanto, cinco meses antes de eu ir até a Aldeia Karitiana. No início de 1997, eu e outros pesquisadores brasileiros, fizemos contato com o laboratório para que se pronunciasse sobre o assunto e conversamos com autoridades brasileiras para solicitar providências sobre o material no exterior. Nossas solicitações de contato foram ignoradas. Desde 1997 diversos artigos têm sido publicados em jornais apresentando de forma distorcida os fatos, insinuando minha participação em atos de biopirataria, ao invés de resgatar os esforços feitos por mim e outros pesquisadores para tratar as doenças e proteger os direitos dos Karitiana. Eu tenho respondido a todos artigos dos quais tenho conhecimento, porém os erros grosseiros sobre a minha pessoa continuam a ser publicados.
Ainda que meu nome e endereço estejam facilmente acessíveis em diversos sites na Internet, como no Lattes do CNPq ou no site da UFRJ, e em diversas outras formas que, certamente, seriam de fácil acesso para o MP, a PF, ou qualquer outro órgão federal ou cidadão interessado, e inclusive na Ação Civil ora em andamento em Rondônia - que já foi integralmente contestada por meu advogado - , eu não fui procurado para prestar quaisquer esclarecimentos sobre o absurdo envolvimento do meu nome com o caso supracitado. No entanto, tenho tomado sempre a iniciativa de contatar todos os órgãos públicos interessados, enviar documentos, e me colocar a disposição para ajudar a esclarecer os fatos.
A biopirataria é uma questão a ser seriamente investigada pelas autoridades brasileiras, pela comunidade científica e pela imprensa. O uso comercial de produtos biológicos sem que seus doadores sejam beneficiados é absolutamente imoral, antiético, e deve ser repudiado por toda a sociedade. Como cidadão brasileiro, como profissional de saúde, e como pesquisador, é meu dever proteger as pessoas com as quais trabalho, e resguardar-lhes os interesses. Esta tem sido a minha postura em mais de uma década de atuação entre os grupos rurais da Amazônia. Eu tenho me colocado sempre à disposição de jornalistas e de todas as autoridades para prestar quaisquer esclarecimentos sobre o lamentável envolvimento do meu nome nesta esdrúxula situação, onde sou acusado de atos bárbaros apenas por atender a um chamado emergencial de uma tribo em necessidade, e cumprir os preceitos do Código Brasileiro de Ética Médica (Artigos 57 e 58). É uma pena que para alguns jornalistas o sensacionalismo continue tendo mais valor que aos fatos.
Prof. Dr. Hilton Pereira da Silva, Departamento de Antropologia, Museu Nacional/UFRJ.
Postar um comentário