quarta-feira, dezembro 12, 2007

NY Times, impunidade, maioridade e jeitinho

Tem coisas que tomam maior dimensão quando nos são ditas por pessoas fora de nosso ciclo de relacionamento. Da mesma forma, algumas notícias ganham força quando sua veiculação se dá de forma mais ampla, com maior alcance. Se aparece em outro idioma, em publicações de certo prestígio de outros países, a coisa toma proporções bem maiores. Alguns reclamam, insistindo que o texto por vezes carrega opinião pré-concebida; como por exemplo, um texto sobre o continente Africano ou Sul-Americano redigido por um Europeu ou norte-americano. Mas, deixando de lado o preconceito, cuja existência não podemos negar, devemos lembrar que a “visão de fora” nos permite analisar uma situação de outra forma, ou, como é neste caso, não esquecer e dar mais importância.

A edição on-line do The New York Times de hoje traz uma reportagem sobre o absurdo que ocorreu numa cadeia do Pará, onde uma menor foi mantida durante semanas numa cela com 20 homens, sendo estuprada e torturada. A matéria fala em 34 homens. Exagero? Verdade? O que li em jornais brasileiros fala em 20, mas a diferença não diminui a crueldade. O texto, de Alexei Barrionuevo, traz ainda um aspecto pouco comentado sobre o caso: tantas pessoas tiveram a oportunidade de ajudar a menor e nada fizeram. Realmente, o número de culpados e omissos é grande. Ministério Público, Juíza, policiais, carcereiros e tantos outros que tinham conhecimento do caso.

Barrionuevo faz uma relação com o clima de impunidade que existe no país. A tortura é institucionalizada, sem punição para os torturadores. Coisa que vem desde o período da ditadura, somada aos 300 anos de escravidão no Brasil. É bem interessante a associação. Parece normal torturar. Parece, tristemente, natural não punir os torturadores.

Tenho certeza que a matéria despertará certa raiva em muitas pessoas. É claro, se é um equipamento de alta tecnologia ou um enlatado que vem da terra de Tio Sam, abraçamos com gosto, mas se é crítica contra o jeitinho como as coisas são “levadas” por aqui, aí é arrogância daqueles ianques safados. Bem, a matéria deveria sim despertar a já escassa vergonha na cara daqueles que deveriam fazer seu trabalho para coibir práticas abusivas e desumanas, que deveriam gerenciar o dinheiro público (cobrado e pago regularmente, senão a justiça se faz presente) para prevenir situações repugnantes e tristes, dando educação em primeiro lugar e, na outra ponta, garantindo que presídios não se tornem depósitos de animais.

No Pará cometeu-se pelo menos dois crimes graves: encarceramento de menor em cadeia para maior e o uso de celas compartilhadas para homens e mulheres. Enquanto isso, estamos vendo mais uma vez a tentativa de uso de uma fórmula mágica para diminuir a violência: a redução da maioridade penal. Está em votação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, que poderá convocar plebiscito para decidir. 14, 15, 16 anos. É mais fácil adaptar a situação existente do que corrigir a falha. Se não conseguem impedir injustiças como “jogar” uma menor de 15 anos numa cela com 20 (ou 34) homens, transforma-se a menor em maior e, de quebra, reduz-se o número de crimes (cometidos pelo Estado) pela metade.

Nenhum comentário:

A menina no mercado

Havia uma menina no mercado. Devia ter uns 12 anos. Talvez menos. Estava atrás de mim no caixa. Tinha dois pacotes de macarrão instantâneo n...