O funk abatido
Ontem fui ao Canecão, para o Baile dos Namorados da Orquestra Imperial, a convite de um integrante da Banda, o Trombonista Bidu Cordeiro. Um show muito animado, como todas as apresentações do grupo e que, como sempre, no intervalo, conta com a participação do DJ Malboro (ou Marlboro; como queiram). O DJ, hoje envolvido num escândalo de pedofilia, há muito tempo é conhecido por sua atuação no “mundo funk”. Mas não é sobre ele, ou sobre a acusação que sofre, o assunto desta postagem.
As músicas que ele tocou ontem no baile, muitas delas são velhas conhecidas. Algumas com mais de 10 anos! Então, o que quero é falar do funk. E falando do funk, eu quero comentar sobre como o preconceito, como sempre, foi prejudicial para toda a sociedade.
Nascido e criado em Mesquita, hoje cidade (pois foi emancipado) da Baixada Fluminense, região vitimada pelo preconceito da sociedade e pelo descaso do Estado há muitas décadas, tive o funk como trilha sonora de várias festas, como música acessível, falando sobre nossas coisas, nosso cotidiano, nosso modo de ser e em “nossa” língua. Uma manifestação cultural que, embora tenha se originado fora das fronteiras de nosso país, foi moldada e transformada para renascer nas favelas, nos subúrbios, na Baixada Fluminense.
Sendo a sociedade dominada por uma minoria que define o que é bom ou não, o funk foi então taxado de ruim. Não era uma cultura ou manifestação cultural autêntica ou admissível, era promíscuo e violento. O funk então não prestava, era feio, muito preto, muito pobre e muito favelado.
Não cheguei a frequentar um baile funk propriamente dito, como o do Mesquitão (como chamavam o baile do Mesquita Futebol Clube). Eu era muito novo e, verdade seja dita, muito paradão (mudei alguma coisa?). Mas, quando comecei a trabalhar, eu ia na Must, uma discoteca em Nova Iguaçu que, a partir de certa hora, se transformava num baile funk. Lá pude assistir, inclusive, duplas que se tornariam conhecidas país a fora, como o Claudinho e Buchecha.
Eu via alegria, descontração. E, desde muito antes dessa experiência, dessa ambientação, eu ouvia letras cheias de humor, letras que contavam situações reais naquele momento e, principalmente (e agora chego ao ponto que quero) letras carregadas de crítica à pobreza, à violência, ao descaso dos governantes, à cegueira consciente e hipócrita das elites, letras que clamavam por paz, por dignidade, por dias melhores.
Os Raps (como eram conhecidas as músicas que tocavam nos bailes), ou simplesmente os funks, valorizavam cada favela ou localidade pobre, onde o movimento tinha seu valor, ganhava força, onde os bailes ocorriam, onde os funkeiros estavam, de onde os MCs (os cantores/compositores dos Raps) vinham.
Aquela espécie de trigo que nascia e crescia à margem da sociedade mandante era visto como algo ruim, negativo. Então passaram a valorizar o joio. Se brigas ocorriam num baile, todos os bailes foram taxados como campo de barbárie. Se letras faziam apologia ao crime, como realmente ocorreu e ocorre (graças ao fortalecimento do bandido pela ausência do Estado), todas as letras de funk eram criminosas.
Focalizando o lado ruim, não valorizaram o que nascia de bom. Não valorizaram o que valorizava o pobre, o preto e favelado. Fico pensando: será que foi medo? Talvez um medo inconsciente. Se coloquem no lugar deles (a elite da época, governos ou não) ouvindo aquelas letras que criticavam a pobreza, que pediam a união das favelas. Eram letras de quem estava pensando, compreendendo o que acontecia a sua volta e querendo mudança. Era, de fato, uma ameaça ao que estava estabelecido.
Com o passar do tempo, o que era negativo foi absorvido pela sociedade, foi sendo aceito a trancos e barrancos. Sem a ameaça das letras que faziam pensar, refletir, o povo continuou sendo marcado, e ficando feliz. Numa mansidão conveniente para muitos.
E ontem lá estava eu. Da Must para o Canecão. Lado a lado com outros de minha idade, alguns mais novos, alguns mais velhos. Estavam lá, chegados de taxi ou com seus carros, consumindo Skol a R$ 5,50 a latinha, alguns fumando maconha na segurança de seu ambiente elitizado, próximos a suas casas na Zona Sul. A maioria, com certeza, ignora o que aconteceu com o funk até ali. Como algo antes criticado, atacado, negligenciado, e até temido, pôde se tornar adorado ali naquele baile e aceitável na sociedade.
Enquanto isso, o que ocorreu naqueles ambientes que valorizaram o funk no passado, quando o funk era discriminado? Eu posso lhes contar sobre Mesquita, pelo menos o que vejo: o que foi valorizado pelos de dentro e criticado pelos de fora, perdeu força. Ganhou espaço justamente o que era criticado nas letras de então.
É como uma criança que faz coisas boas e ruins. Se os pais valorizarem sempre as coisas ruins e negligenciarem as boas, algum dia o que foi valorizado prevalece.
Ontem fui ao Canecão, para o Baile dos Namorados da Orquestra Imperial, a convite de um integrante da Banda, o Trombonista Bidu Cordeiro. Um show muito animado, como todas as apresentações do grupo e que, como sempre, no intervalo, conta com a participação do DJ Malboro (ou Marlboro; como queiram). O DJ, hoje envolvido num escândalo de pedofilia, há muito tempo é conhecido por sua atuação no “mundo funk”. Mas não é sobre ele, ou sobre a acusação que sofre, o assunto desta postagem.
As músicas que ele tocou ontem no baile, muitas delas são velhas conhecidas. Algumas com mais de 10 anos! Então, o que quero é falar do funk. E falando do funk, eu quero comentar sobre como o preconceito, como sempre, foi prejudicial para toda a sociedade.
Nascido e criado em Mesquita, hoje cidade (pois foi emancipado) da Baixada Fluminense, região vitimada pelo preconceito da sociedade e pelo descaso do Estado há muitas décadas, tive o funk como trilha sonora de várias festas, como música acessível, falando sobre nossas coisas, nosso cotidiano, nosso modo de ser e em “nossa” língua. Uma manifestação cultural que, embora tenha se originado fora das fronteiras de nosso país, foi moldada e transformada para renascer nas favelas, nos subúrbios, na Baixada Fluminense.
Sendo a sociedade dominada por uma minoria que define o que é bom ou não, o funk foi então taxado de ruim. Não era uma cultura ou manifestação cultural autêntica ou admissível, era promíscuo e violento. O funk então não prestava, era feio, muito preto, muito pobre e muito favelado.
Não cheguei a frequentar um baile funk propriamente dito, como o do Mesquitão (como chamavam o baile do Mesquita Futebol Clube). Eu era muito novo e, verdade seja dita, muito paradão (mudei alguma coisa?). Mas, quando comecei a trabalhar, eu ia na Must, uma discoteca em Nova Iguaçu que, a partir de certa hora, se transformava num baile funk. Lá pude assistir, inclusive, duplas que se tornariam conhecidas país a fora, como o Claudinho e Buchecha.
Eu via alegria, descontração. E, desde muito antes dessa experiência, dessa ambientação, eu ouvia letras cheias de humor, letras que contavam situações reais naquele momento e, principalmente (e agora chego ao ponto que quero) letras carregadas de crítica à pobreza, à violência, ao descaso dos governantes, à cegueira consciente e hipócrita das elites, letras que clamavam por paz, por dignidade, por dias melhores.
Os Raps (como eram conhecidas as músicas que tocavam nos bailes), ou simplesmente os funks, valorizavam cada favela ou localidade pobre, onde o movimento tinha seu valor, ganhava força, onde os bailes ocorriam, onde os funkeiros estavam, de onde os MCs (os cantores/compositores dos Raps) vinham.
Aquela espécie de trigo que nascia e crescia à margem da sociedade mandante era visto como algo ruim, negativo. Então passaram a valorizar o joio. Se brigas ocorriam num baile, todos os bailes foram taxados como campo de barbárie. Se letras faziam apologia ao crime, como realmente ocorreu e ocorre (graças ao fortalecimento do bandido pela ausência do Estado), todas as letras de funk eram criminosas.
Focalizando o lado ruim, não valorizaram o que nascia de bom. Não valorizaram o que valorizava o pobre, o preto e favelado. Fico pensando: será que foi medo? Talvez um medo inconsciente. Se coloquem no lugar deles (a elite da época, governos ou não) ouvindo aquelas letras que criticavam a pobreza, que pediam a união das favelas. Eram letras de quem estava pensando, compreendendo o que acontecia a sua volta e querendo mudança. Era, de fato, uma ameaça ao que estava estabelecido.
Com o passar do tempo, o que era negativo foi absorvido pela sociedade, foi sendo aceito a trancos e barrancos. Sem a ameaça das letras que faziam pensar, refletir, o povo continuou sendo marcado, e ficando feliz. Numa mansidão conveniente para muitos.
E ontem lá estava eu. Da Must para o Canecão. Lado a lado com outros de minha idade, alguns mais novos, alguns mais velhos. Estavam lá, chegados de taxi ou com seus carros, consumindo Skol a R$ 5,50 a latinha, alguns fumando maconha na segurança de seu ambiente elitizado, próximos a suas casas na Zona Sul. A maioria, com certeza, ignora o que aconteceu com o funk até ali. Como algo antes criticado, atacado, negligenciado, e até temido, pôde se tornar adorado ali naquele baile e aceitável na sociedade.
Enquanto isso, o que ocorreu naqueles ambientes que valorizaram o funk no passado, quando o funk era discriminado? Eu posso lhes contar sobre Mesquita, pelo menos o que vejo: o que foi valorizado pelos de dentro e criticado pelos de fora, perdeu força. Ganhou espaço justamente o que era criticado nas letras de então.
É como uma criança que faz coisas boas e ruins. Se os pais valorizarem sempre as coisas ruins e negligenciarem as boas, algum dia o que foi valorizado prevalece.
Nenhum comentário:
Postar um comentário