quarta-feira, outubro 24, 2007

As desumanidades começam nas palavras

Agora pouco estava lendo uma matéria sobre a infeliz (mais uma) declaração de um de nossos governantes. Agora foi a vez de Sérgio Cabral, governador do Rio (do Estado, mas parece da cidade). Colando do G1… "Você pega o número de filhos por mãe na Lagoa Rodrigo de Freitas, Tijuca, Méier e Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de produzir marginal" declarou Cabral. A entrevista completa pode ser lida aqui.

Então o governador relaciona a taxa de natalidade com o índice de violência. A declaração poderia até passar, se não fosse feita de forma tão grosseira. Além disso, essa não é a realidade. Isso é jogar toda a responsabilidade do crescimento da violência, nas costas, ou melhor, nos úteros, da população pobre. É, de certa forma, confortável para os governantes, não apenas para Cabral, uma vez que não mais importam as políticas públicas cretinas, inconseqüentes, eleitoreiras e até desumanas, feitas ao longo das últimas péssimas gestões. Elas [essas políticas públicas a que me refiro] não levaram em conta o ser humano, o meio ambiente natural e social, e o desenvolvimento de fato.

Assim, o governador se soma a lista dos que usam a África como instrumento de comparação ao resultado de suas fracassadas ações. Além disso, ele marginaliza os recém-nascidos de áreas onde o Estado fez questão de se fazer ausente por tanto tempo. O marginal de hoje, mais especificamente os de áreas que ele compara ao Gabão e Zâmbia, na maioria das vezes foram crianças sem perspectiva, sem bons exemplos, sem oportunidades. Não estou defendendo bandido. Até porque sei que existe muita gente que não presta, independente se sua origem ou residência ou mesmo história de vida.

Cabral cita o livro Freakonomics (Steven Levitt e Stephen J. Dubner) como justificativa academicista para sua posição. Diz que é cristão e católico. Mas o que no fundo vejo, na declaração comparativa do governador, não posso dizer que seja preconceito. É mais grave, pois não tem o “pre”. É, na verdade, um conceito, puro e simples, já enraizado em muitos: pobre é bandido.

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