Dia Internacional da Mulher
Foi com muita luta que elas conseguiram iniciar esta caminhada. Digo iniciar, pois penso que ainda há muito por ser conquistado de fato. Legislação, políticas públicas, bons exemplos, até aqui não foram suficientes para que a mulher realmente conquiste espaço na sociedade, de forma respeitosa, igualitária e humana. Logo, a caminhada continua.
O Dia Internacional da Mulher surgiu, segundo versões, desta mesma luta. Exigindo melhores salários, melhores condições de trabalho, igualdade de direitos, como o voto, elas se uniram em protesto numa sociedade machista do século XIX e que até nossos dias continua machista, preconceituosa.
Nos momentos difíceis que tenho em família (e têm sido muitos), sempre peço a recordação de duas mulheres que simbolizam a força em minha história familiar. Minha avó materna,
Iracema, morta num trágico acidente, e minha tia-avó materna,
Perpétua, que considerava (e ainda considero) uma de minhas mães, também falecida, em minha opinião, de forma dolorosa.
A história de minha família daria um livro, e digo isso pelo pouco que conheço, com alegrias e tristezas, em quantidades talvez desproporcionais. Infelizmente não consegui até hoje a atenção necessária dos mais velhos para me contarem, ao estilo dos
griots africanos, a história da qual faço parte e que remonta às fazendas de café do Sul Fluminense do tempo da escravidão. Remoer o passado, mesmo com a nobre causa da preservação (e, no meu caso, busca) da memória, é tarefa árdua que pode trazer à tona tristes lembranças há muito guardadas. Duas tias-avós, irmãs, mais velhas “sobreviventes” dessa história, poderiam me auxiliar nessa busca, mas em respeito e com bom senso e sensibilidade, prefiro que ambas vivam seus dias em paz, sem mais tristezas ou fortes emoções do passado. Mais duas mulheres a homenagear: Minhas queridas tias,
Irene e
Mariazinha!
Mas voltemos aos símbolos de força. Iracema, minha
Vó Ceminha, ou
Ceminha Peixeira como era conhecida onde morávamos por vender os peixes que trazia do Mercado da Praça XV, com sua força e generosidade criou seus cinco filhos, ajudou na criação de seus netos (e aí me incluo) e tantos outros que hoje me pergunto:
como aquilo foi possível? Pelo que me contam, minha Avó trabalhava no extinto entreposto pesqueiro da Praça XV, lavando e passando roupas para os pescadores na madrugada e, pela manhã, antes do nascer sol, retornava à Mesquita trazendo pescados que recebia como parte do pagamento. Os peixes eram então vendidos na redondeza e também em casa. Lembro até hoje que ficava impressionado com o tamanho dos peixes, me recordo também da rústica ferramenta para descamar o pescado (que consistia de uma madeira com pregos, formando uma espécie de escova), a balança de mão, do peixe embrulhado no jornal, de todo o trabalho e esforço daquela mulher. Peixe e camarão eram comuns em nossas refeições. E eram tantas bocas!
A resposta para a pergunta do parágrafo anterior é o que a nobre mulher simboliza:
FORÇA. Mas também muita generosidade e fé. E por falar em fé e generosidade, me vem à mente agora outro fato marcante: minha avó materna, a
Ceminha Peixeira, foi também
rezadeira ou
benzedeira! Financeiramente éramos muito pobres, e o que hoje é considerado básico numa residência, era um luxo. O maior exemplo era o gás de cozinha e o chuveiro elétrico. Por isso, um fogão a lenha improvisado (duas colunas de tijolos e uma grelha), se tornou item permanente no quintal. Ali esquentávamos água num caldeirão para, nas épocas de frio, “
quebrar a friagem” da água para o banho e também era onde eram preparadas algumas refeições. As cinzas que ficavam eram usadas nas rezas, assim como uma grande colher de pau. Ela sujava a colher nas cinzas e marcava (acho que a testa) de quem estivesse benzendo.
Sua fé foi sempre marcante. Me lembro que ela começou a freqüentar uma Igreja Evangélica e abria sua casa para cultos dessa Igreja. Mas tarde, já após sua morte, cheguei a freqüentar esta Igreja, mesmo que por pouco tempo. Hoje me recordo, com certa emoção, que ela me pedia para ler o
Salmo 91, o qual, lendo hoje, me faz perceber o quanto ela se apegava a sua fé, independente da religião que tenha freqüentado durante sua vida. Minha avó, Iracema Soares de Souza e Silva, a Ceminha Peixeira.
Ela tinha uma irmã gêmea, Perpétua. Infelizmente seu nome não definiu sua permanência entre nós, mas define meu amor, minhas lembranças e minha gratidão a esta mulher que se perpetuam em meu coração e em meus pensamentos. Me recordo que, quando criança e nos passos iniciais do aprendizado da fala, a chamava de “
Tia Pepeta”. Ela morava sozinha, numa casa colada a nossa, embora com entrada independente. Independente como ela sempre foi. Tinha uma pequena horta no quintal que para mim simbolizada a vida, a alegria. Suas goiabeiras – uma de goiabas brancas e outra de vermelhas –, além do fruto que comíamos e que também servia para que fizesse deliciosos doces (goiabada cascão e geléia) e sucos, também serviam como área de lazer, onde brincávamos subindo e balançando nos galhos. Havia também um pé de graviola, a fruta mais cobiçada do quintal, por seu gosto e aroma, com a qual também fazia suco. Tia Perpétua tinha algumas peculiaridades que a tornavam uma pessoa única e até engraçada. Cito quatro delas:
1) Ela tinha um namorado, “Seu Braga”. Ele a visitava com uma freqüência que não recordo, talvez uma vez por semana, talvez duas vezes ao mês. Nessas ocasiões, algumas coisas eram certas. Primeiramente, ele trazia (ou ganhava… explico a seguir) uma caixa de bombons, um romântico presente que sempre pude aproveitar quando ele ia embora. Uma segunda coisa, que tem haver com a primeira, era o que chamarei de jogo do ossinho. Minha tia separava e deixava secar uma parte do osso da galinha que é em formato de Y. Ganhava o jogo, cujo prêmio era a caixa de bombom, quem ficasse com a maior parte do osso após este ser quebrado quando o casal puxava duas de suas pontas. Esse romantismo, num casal de quase setenta anos, já era raro naquela época.
2) Ela jogava no bicho - algo que, com certeza, incentivou minha mãe. Ela mesma escrevia seus jogos, com letra bem pequena, enchia as folhas do talão que era fornecido pelo bicheiro, ou seria melhor dizer, apontador do jogo de bicho. Meu trabalho era levar o jogo e buscar os resultados. Era como uma religião. Jogava todos os dias.
3) Ela bebia. Não era exatamente um vício, mas ela gostava de “tomar umas cervejinhas”. Eu, como apreciador, sei que algumas vezes, exageramos. Ela exagerou também, pelo menos uma vez. E eu presenciei o desenrolar da história. Não apenas presenciei como fui destacado (tinha uns 12 anos, talvez menos) para ajudar a trazê-la – a muito custo, podem ter certeza – do bar. Com todo respeito que tinha e tenho por ela, foi uma das cenas mais engraçadas que já tinha visto. Ela mesma riu da situação.
4) Ela fumava cachimbo. Lembro que comprava o fumo de rolo, desfiava, enchia o cachimbo… lembro do aroma. Um fato engraçado é que ela havia deixado de fumar durante algum tempo e até jogou fora o cachimbo; até que uma criança, brincando no quintal, achou o “aparelho”. Ela simplesmente o lavou e voltou a fumar.
Essa mesma criança hoje lembra, com lágrimas nos olhos, dessa incrível mulher, que a levava para passear, viajar; que a abrigava próximo ao sofá assistindo televisão; que a atendia quando, ao meio-dia e às cinco da tarde, pedia almoço e lanche, respectivamente; que a defendia de tudo e de todos… Essa mesma criança hoje chora de emoção pela terna lembrança e escreve estas linhas para homenagear não apenas a Tia Pepeta, ou sua irmã Ceminha Peixeira, minha avó, símbolo de força e luta e resistência, mas todas as mulheres.
Como não poderia deixar de ser, ao homenagear as mulheres, com sua coragem, força, generosidade e resistência, devo reservar um espaço neste post para homenagear, em particular, as mulheres africanas. Mulheres que se tornam símbolo de resistência e força, se considerarmos todas as desventuras por quais passam, e com amor e atenção, duplicam essa força para que possam a seus filhos proteger. Às Mulheres Africanas, minha admiração, respeito e preces por dias melhores.
Mulheres Africanas por amaralalexandro