sábado, agosto 07, 2010

Um toque para preservar

Continuo com minhas lembranças sobre a curta e incompleta viagem à Paris e Lisboa. Como o olhar crítico não ficou embaçado pela grandiosidade e beleza daquelas cidades, nem pelo incrível museu que é o Louvre, principal inspirador desta postagem, não pude deixar de notar algumas coisas. Uma dessas coisas está relacionada com minha formação em Arquivologia. Mas especificamente com uma, digamos, preocupação arquivística. Falo de preservação.

Alguns podem se perguntar o que a preservação em arquivística tem haver com o acervo museológico do Louvre. Mas preservação é algo bem mais amplo do que a mera conservação de um papiro, por exemplo. Pode estar relacionada com uma atuação política da instituição detentora do acervo, seja ele museológico, bibliográfico ou arquivístico. Pode também ter um aspecto social envolvido. E eu arriscaria dizer até que um aspecto psicológico pode estar presente. Algo como a necessidade do tocar. Ou, numa adaptação à desconfiança do apóstolo, aqueles que “só acreditam tocando”.

Não somos submetidos a sermões iniciais ou palestra de conscientização para entrarmos no Louvre. Afora a questão de segurança normal e esperada naquele país, se considerarmos suas relações internacionais e posturas políticas de seu atual governo, não há nada de muito rigoroso ou constrangedor. As bolsas passam por um detector de metais, outras, além disso, são vistoriadas, mas tudo muito rápido. Paga-se 9.5 € por pessoa e o Louvre abre as portas para seu grandioso acervo.

Mas os alertas, em forma de mensagens de texto ou figuras, estão por toda a parte. Bem, para aqueles que se preocupam com esses detalhes. Também existem muitos guardas circulando por todas as áreas, além das câmeras de segurança, para coibir os abusos dos turistas mais... como posso dizer?... sem noção. Não tocar, não usar flash ao fotografar, etc. Ah, além disso, as informações sobre o que o visitante não deve fazer constam do guia do museu. Um instrumento de grande utilidade e disponível gratuitamente em diversos idiomas. Logo, quem comete as infrações, ou não sabe ler nem interpretar desenhos, ou não tem consciência do certo ou errado.

Não se pode considerar excesso de zelo certos cuidados dos responsáveis e as orientações aos turistas. Algumas coisas, como as que eles indicam, podem ser evitadas facilmente, sem que nos privemos de visitar o acervo. Lembro que, mesmo que todos se comportassem como se espera, os acervos continuariam se deteriorando. Nada é eterno. A vibração proporcionada pelo deslocamento das pessoas, ou pela reverberação da voz, e mesmo as trocas térmicas entre os corpos e o ambiente, contribuem para esse processo.

Mas nota-se que muitas pessoas resolvem, mesmo que inconscientemente, acelerar tal processo. O flash é usado indiscriminadamente por muitos. Bastava um momento de distração ou ausência da vigilância. Como disse anteriormente, na referência à São Tomé, talvez pela indescritível beleza e complexidade das obras, somada a sua antiguidade, algumas pessoas parecem precisar senti-las para crer na sua existência. Por isso, quando não há o flagrante, podemos observar diversas esculturas e outras obras marcadas, não pelo tempo, mas pela soma de umidade e oleosidade e poeira deixadas por muitas mãos.

De Paris para Lisboa, me recordo de outro momento onde a relação usuário (ou turista) está bem relacionada com a preservação. Visitando a bem conhecida Feira da Ladra, fiquei impressionado com a venda indiscriminada de azulejos antigos. Uma marca da beleza arquitetônica e decorativa, típica de Portugal, sendo vendida pelos “feirantes”. Num primeiro momento, podemos considerar como algo aceitável, pois talvez a aquisição tivesse sido feita numa demolição de algum prédio antigo. Mas andando pelas ruas dos bairros antigos de Lisboa (e eu andei bastante) podemos notar que em muitas paredes, muitas fachadas, faltam azulejos. Neste caso, poderíamos pensar, “ah, mas azulejos se desprendem com o tempo”. Antes fosse só esse o caso!

Por isso, aqui vãos alguns toques. Não comprem azulejos antigos em feiras. Esse tipo de obra de arte só tem significado no seu conjunto, no seu contexto. Admire os prédios, fotografe as fachadas. E, ao visitar museus, consuma com os olhos. Não duvide da veracidade das obras ao ponto de precisar tocá-las. Acredite, o ser humano é capaz de construir coisas de extrema beleza. Mas, como você bem sabe, ele também é capaz de destruir com extrema frieza.

Registrei alguns desses momentos em que o olhar crítico de arquivística se manifestou no turista. Observo que, nas imagens do museu, o recurso de flash não foi utilizado. A pessoa que aparece tocando uma estátua, foi devidamente alertada por seu companheiro. Sua figura foi descaracterizada, pois a intenção é apenas exemplificar o caso, não constranger quem quer que seja. O bilhete de entrada e as informações do guia de visita foram digitalizados (guardei como lembranças!) e a foto da venda de dos azulejos na Feira da Ladra foram retiradas da internet.


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