quarta-feira, agosto 04, 2010

Metas Desumanas

Domingo passado eu saí de casa e fui ao Aterro do Flamengo com uma intenção: andar de bicicleta. Pensei nisso nos dias anteriores àquele fim de semana. Tinha esse objetivo, essa meta. Pedalar num dia de sol.

Como não tenho esse meio de transporte, aluguei uma. Dez reais por uma hora. Paguei antecipado. Altura do banco regulada. Guidão um pouco torno (mas isso eu percebi depois) e mãos à obra. Ou melhor, pés no pedal. Aterro cheio. Dia de corrida de... bicicleta. Segui a orientação de seguir pela ciclovia e evitar as ruas que, mesmo interditadas para lazer, estavam sendo usadas para o evento ciclístico. Estava fazendo um dia lindo. Pedalando, sem músicas no ouvido, mas com toda a bela paisagem harmonizando o passeio.

Pessoas andando, pessoas pedalando, pessoas sentadas, em pé, pessoas caminhando. Na praia de Botafogo, reparo um senhor, com seus quarenta, talvez cinquenta anos, olhando o relógio. Mas não era uma simples conferência das horas. Era, mais que isso, uma verificação do tempo, uma análise de desempenho. Ele, assim como outros tantos, havia estabelecido uma meta. Não era uma simples caminhada de lazer, descompromissada. Era uma meta a ser atingida no espaço e no tempo.

Comecei, nesse momento e entre pedaladas em rítmos variados de velocidade, a refletir sobre as metas. Fiquem pensando se não seria mais prazeroso para aquele senhor simplesmente caminhar, curtindo a paisagem, o Sol ameno, a brisa à beira da Baía de Guanabara. Se o corpo tem de fato uma ligação com a mente, uma caminhada livre, relaxada e sem a subordinação ao tempo, seria muito mais proveitosa para o
conjunto corpo e mente.

Ao mesmo tempo que refleti sobre isso, foi inevitável pensar no ambiente profissional. As metas do funcionário, do setor, da empresa. Metas determinadas, metas negociadas, metas, metas, metas.... Metas para terminar uma tarefa até tal dia. Meta para apresentar determinado número de trabalhos prontos. Meta para iniciar algo antes de alguma coisa. Meta para reuniões. Meta para treinamentos. Metas ambientais. Metas e mais metas. Nunca me senti tão robotizado. Tão menos humano.

Num ambiente mais humano, talvez metas inexistíssem. Procuraríamos fazer o correto para com o ser humano, seja ele nós mesmos, seja ele o colega ao lado. Se eu sei que a execução de determinada tarefa, sob minha responsabilidade, impacta diretamente a empresa, o setor, ou as atividades do colega ao lado, eu não deveria ter meta para executar tal tarefa. Deveria executá-la por respeito, por responsabilidade, por consideração.

A empresa evita poluir, ou estabelece "meta de poluição" (sic) não porque tem consciência dos efeitos da poluição no meio ambiente e na vida das pessoas, mas para se enquadrar em padrões internacionais que a valoram por não poluir.

Acabamos por executar nossas tarefas para atender à leis, normas, padrões. Desvinculamos nossas atividades do resultado humano, social, ambiental.

Ao invés de ter como objetivo o correto, o adequado, o respeitoso, o humano, enxergamos uma meta, que muitas vezes é transformadas em um número, analisada como um gráfico. Distamos do objetivo humano, social, e nos prendemos a objetivos mensuráveis.

Nos programamos ou somos programados de acordo com uma meta. Neste momento me vem em mente o filme baseado na obra de Isaac Azimov, "Eu, Robô". No filme, os robôs substituíam seres humanos na execução de determinadas tarefas. A diferença aqui é que não estamos nos substituindo. Estamos nos robotizando.

Terminei a pedalada. Entreguei a bicicleta. Olhei no relógio. Um minuto para completar uma hora. Bem a tempo. Meta atingida!?

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