domingo, agosto 08, 2010

Da falta de ética ao dedo-duro

Ontem, um telejornal esportivo estava transmitindo uma reportagem sobre a mais nova polêmica do futebol: a cirurgia do Kaká. A polêmica se dá pelo fato de o jogador declarar já estar sentindo dores no joelho desde a copa. Além das declarações do belga Marc Martens, médico que conduziu a cirurgia, alertando que Kaká arriscou comprometer toda sua carreira futura por ter jogado a última copa, ao invés de se afastar para tratamento. É mais ou menos isso. Não sou muito fã de futebol e o foco desta postagem não é esporte.

Bem, nesse confusão toda, surge José Luiz Runco, médico da seleção brasileira, teoricamente responsável (sic) por liberar ou não um atleta para jogar. Seria, considerando a declaração do cirurgião, responsável (sic) por qualquer problema mais grave que o jogador pudesse vir a ter. Runco pôs em dúvida a ética de Martens. Em entrevista, declarou “companheiro de profissão tem que ser ético”. Clique aqui para assistir. Reparem que em dado momento Runco contesta a necessidade da cirurgia. Mesma postura do Martens. Teria sido falta de ética também?

Isso tudo me pareceu um corporativismo de uma categoria. Uma espécie de pacto protecionista. Runco chama de ética. Não vou discutir filosofia aqui. Estou preguiçoso hoje. Mas exporei algumas comparações que o caso trouxe à essa mente conturbada.

Começo com uma situação que acontece com uma pessoa próxima. Ela se submeteu a uma cirurgia que, pelo quatro pós-operatório, despertou dúvidas quanto a intervenção. Essas dúvidas são ratificadas por outros profissionais, embora não formalizem ou mesmo se prestem a ajudar, intermediando junto ao seu colega para procurar uma solução. Até aqui, o fator “paciente” foi preterido pelo fator “colega de profissão”. O paciente, vítima de um possível erro, foi posto em segundo ou último plano, se é que foi considerado. Situações como essa, creio eu, se repetem com frequência. Eu mesmo já presenciei essa dita postura ética.

Me lembrei também dos sambas cantados por Bezerra da Silva, sambas que eu considero uma aula de sociologia, com ritmo e humor, mas acima de tudo extraída do mundo real. Uma das músicas se chama “Defunto caguete”. A figura do alcaguete, popularmente chamado de caguete, é sempre vista ou representada como alguém que não foi amigo suficiente de uma pessoa ou de um grupo, uma vez que não soube guardar segredo e/ou denunciou alguma atividade do grupo ou de um de seus membros. É o delator. É o conhecido dedo-duro.



Essa visão negativa relacionada com a ação de denunciar, talvez (repito... talvez) explique, em parte (para fortalecer o talvez), a razão de muitos criminosos ainda atuarem em certas áreas da sociedade (seja nos morros “dominados” pelo tráfico, seja nas repartições e órgão públicos “dominados” pelos eleitos e nomeados). Considerando que a maioria dos moradores daquelas comunidades e trabalhadores dessas repartições são pessoas honestas, de bem, que não aprovam atos criminosos, é extremamente baixo o número de denuncias, uma vez que crimes, como sabemos, continuam sendo praticados. Tanto daquelas informações que chegam através de serviços como Disque-denúncia, como daquelas que nós tomamos conhecimento através de reportagens e/ou ações policiais.

O denunciante ficou estigmatizado. Mesmo quando a denuncia se configure numa postura cívica, humana. Complicado, né?

Imaginem a seguinte cena. Um traficante foragido se reúne com seus parceiros, sua quadrilha. Entre um plano e outro para se manter escondido dos “cana”, o bandido manda a seguinte declaração para sua turma: “Pô, tô bolado! O caguete foi daqui o da otra favela. Aí, se'eu pegá quem mi dedurô, vô esculachá! Vô quebra! Pô, foi vacilação, foi anti-ético”.

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