Consciência nossa de cada dia
Será que a cada semana da consciência negra será a mesma ladainha reducionista? A mesma exteriorização do pensamento estreito? Refletindo sobre tudo isso, escrevo esta postagem.
Dia 20 de novembro não escrevi sobre o tema (mas indiquei um livro do Ipea). Pensei em escrever, mas depois desisti. Era chover no molhado. Li poucas reportagens, algumas não totalmente, pelo mesmo motivo. Resolvi exercer meu direito à não-leitura (leiam post anterior).
Observei, ouvi, assisti, senti, refleti. Chego à conclusão que o dia, para muitas pessoas, vale nada mais que um feriado e que, para a maioria, é algo confuso, constrangedor, estranho. Para alguns é até ridículo.
Vejam a confusão que se cria na sociedade quando alguns deputados se juntam para... criar confusão. Só pode ser essa a intenção dos que aprovaram um projeto, considerado por muitos como mal redigido (e confuso); e às pressas para que ficasse simbólico tê-lo aprovado no Dia da Consciência Negra. O projeto de lei inicial é o nº 73 de 1999 (colo abaixo), de autoria da deputada Nice Lobão (DEM/MA – biografia oficial). O tal projeto foi encaminhado ao Senado na forma de um substitutivo (?) de 2004 do deputado Carlos Abicalil (PT-MS – biografia oficial). Parece que esses deputados fazem isso de propósito!
Será que a cada semana da consciência negra será a mesma ladainha reducionista? A mesma exteriorização do pensamento estreito? Refletindo sobre tudo isso, escrevo esta postagem.
Dia 20 de novembro não escrevi sobre o tema (mas indiquei um livro do Ipea). Pensei em escrever, mas depois desisti. Era chover no molhado. Li poucas reportagens, algumas não totalmente, pelo mesmo motivo. Resolvi exercer meu direito à não-leitura (leiam post anterior).
Observei, ouvi, assisti, senti, refleti. Chego à conclusão que o dia, para muitas pessoas, vale nada mais que um feriado e que, para a maioria, é algo confuso, constrangedor, estranho. Para alguns é até ridículo.
Vejam a confusão que se cria na sociedade quando alguns deputados se juntam para... criar confusão. Só pode ser essa a intenção dos que aprovaram um projeto, considerado por muitos como mal redigido (e confuso); e às pressas para que ficasse simbólico tê-lo aprovado no Dia da Consciência Negra. O projeto de lei inicial é o nº 73 de 1999 (colo abaixo), de autoria da deputada Nice Lobão (DEM/MA – biografia oficial). O tal projeto foi encaminhado ao Senado na forma de um substitutivo (?) de 2004 do deputado Carlos Abicalil (PT-MS – biografia oficial). Parece que esses deputados fazem isso de propósito!
Reafirmo aqui que sou a favor de políticas sérias de ação afirmativa. Mas o que transpareceu foi a aprovação de algo feito nas coxas e sem discussão séria. O mal está feito. O que era para ser algo benéfico para a sociedade (embora muitos achem que ação afirmativa é um mal a ser evitado) nos chega como um prato cheio para as críticas e dando subsídio para grupos contrários (mesmo que veladamente) ao binômio integração-inclusão.
E, como a discussão é reducionista e o pensamento estreito, cai-se no lugar comum da racialização da sociedade. “Estão tentando (re)criar o racismo”, dizem alguns. Seria cômico se esse tipo de pensamento não fosse externado com sinceridade por muitos. Os que assim pensam ignoram (ou não) que a sociedade já está racializada. A desigualdade racial é um fato e não algo que se deseja construir. Pelo contrário, a desconstrução desse quadro é o que se almeja. Mas, quando o status quo que beneficia um grupo está ameaçado, é normal esse grupo se manifestar.
Existem ainda os que bradam o uníssono “é preciso investir na educação de base”. Ora, isso é óbvio! E, nesse momento, é uma obrigação que não deveria ser posta lado a lado com a ação afirmativa. Como se fossem concorrentes, uma coisa ou outra. É ladainha das piores. Alguns dos que mantém esse discurso provavelmente tiveram uma postura passiva ante a deterioração da educação de base há algumas décadas, quando simplesmente migraram [os seus] para a educação paga.
Mas um dos lados tristes desta história é que acaba fazendo surgir certo constrangimento daqueles que são, em parte, foco das ações afirmativas. Digo “em parte”, pois a ação afirmativa, embora seja explorada pela mídia (e considerada por muitos) como sendo “para os negros” não é exclusivamente voltada para afro-descendentes. Mais uma redução perniciosa de uma discussão que deveria ser séria. Esse é um dos sintomas de que algo está errado. Deveria haver reflexão objetiva, contentamento e/ou esperança de que algo mude para melhor. Mas não, o que tenho notado são cabeças baixas e risos nervosos, e evasivas, e negativas à simples menção do “assunto”. Triste!
Ah, não posso deixar de discorrer sobre a falta de entendimento. O significado do 20 de Novembro, Dia da Consciência Negra, está sendo deturpado. Já tinha notado isso, mas ficou mais nítida essa deturpação quando recebi uma ligação de minha mãe que, mesmo que num tom brincalhão, me parabenizou pela data (preciso conversar com ela). E essa minha percepção se reafirmou hoje enquanto lia o quadro “Frases da Semana”, do jornal O Globo. Uma das frases é da fundadora do GRES Império Serrano, Tia Maria, de 88 anos: “Esse negócio de dia no negro é besteira. Prova de que o racismo continua. Por acaso, existe dia do branco?”.
Minha demagogia [e hipocrisia] não é tanta para que concorde com todas as opiniões com base na idade ou realização de pessoas. Respeito, sim. Compreendo, até porque a frase vai ao encontro do que exponho. Mas não concordo. Será que a instituição do Dia do Índio também teve a mesma, digamos, resistência?
Com relação à distorção do significado, imaginem (hora de minhas analogias) que um grupo de físicos nucleares se junta e cria algo extremamente benéfico para a população. Concretizada a invenção, eles expõem à sociedade de forma que todos comemoram. Vocês acham que todos os que comemoram têm total entendimento da “criação”? Creio que não. Seriam, então, burros? Não, de maneira alguma. Não entendem porque a linguagem usada para transmitir e explicar a “criação” foi a mesma que os tais físicos nucleares usaram entre si.
É o que me parece ter sido a causa dessa distorção. Algumas pessoas (políticos, acadêmicos, intelectuais, alguns ativistas do movimento negro, etc) se juntaram, conversaram, discutiram, analisaram sob alguns aspectos uma determinada questão e, voilà, temos o 20 de Novembro. No meu entendimento, data de grande importância.
Mas o reflexo de ter sido passado algo sem entendimento, embora, como já disse, de grande importância (não apenas para mim), para uma sociedade já castigada intelectualmente por um projeto de dominação pela ignorância, é justamente esse: começam a considerar o dia 20 de Novembro como “Dia do Negro”.
O 20 de Novembro, Dia da Consciência Negra, é uma data simbólica, definida em (co)memoração a morte de Zumbi dos Palmares. É “Negra” por ter como foco principal a trajetória histórica do negro (preto e pardo) na sociedade brasileira do passado (escravidão, resistência, libertação – e seus efeitos até os dias de hoje) e atualmente (preconceito, racismo, desigualdade, exclusão – e seus efeitos até sabe-se lá quando), assim como toda a contribuição do negro para a sociedade em diversos aspectos, tais como cultura, religião, culinária, etc. E a “Consciência”, o conhecimento, a noção, a percepção de todos esses aspectos, não é (pelo menos não deveria ser; caso contrário, de pouco ou nada vale) exclusiva dos que têm ascendência ou descendência afro-brasileira, e sim para todos, mulheres e homens, crianças, jovens e velhos, independentemente da cor de sua pela, da cor da pele de seus antepassados ou da de seus descendentes.
Essa “consciência” significa uma relação da alma consigo mesma, uma relação intrínseca ao homem, “interior” ou “espiritual”, pela qual ele pode conhecer-se de modo imediato e privilegiado e por isso julgar-se de forma segura e infalível. Aqui no sentido filosófico (ABBAGNANO, 2000) que, num quadro de interioridade, possibilita indagações a respeito de sua realidade. Ou mesmo no dicionário, que a define como: 1) Atributo pelo qual o homem pode conhecer e julgar sua própria realidade; 2) Faculdade de estabelecer julgamentos morais dos atos realizados.
Esse tipo de consciência deve ser permanente. Não apenas nas considerações raciais (sentido sociológico) ou sociais. Deve estar presente na consideração das relações humanas.
E, como a discussão é reducionista e o pensamento estreito, cai-se no lugar comum da racialização da sociedade. “Estão tentando (re)criar o racismo”, dizem alguns. Seria cômico se esse tipo de pensamento não fosse externado com sinceridade por muitos. Os que assim pensam ignoram (ou não) que a sociedade já está racializada. A desigualdade racial é um fato e não algo que se deseja construir. Pelo contrário, a desconstrução desse quadro é o que se almeja. Mas, quando o status quo que beneficia um grupo está ameaçado, é normal esse grupo se manifestar.
Existem ainda os que bradam o uníssono “é preciso investir na educação de base”. Ora, isso é óbvio! E, nesse momento, é uma obrigação que não deveria ser posta lado a lado com a ação afirmativa. Como se fossem concorrentes, uma coisa ou outra. É ladainha das piores. Alguns dos que mantém esse discurso provavelmente tiveram uma postura passiva ante a deterioração da educação de base há algumas décadas, quando simplesmente migraram [os seus] para a educação paga.
Mas um dos lados tristes desta história é que acaba fazendo surgir certo constrangimento daqueles que são, em parte, foco das ações afirmativas. Digo “em parte”, pois a ação afirmativa, embora seja explorada pela mídia (e considerada por muitos) como sendo “para os negros” não é exclusivamente voltada para afro-descendentes. Mais uma redução perniciosa de uma discussão que deveria ser séria. Esse é um dos sintomas de que algo está errado. Deveria haver reflexão objetiva, contentamento e/ou esperança de que algo mude para melhor. Mas não, o que tenho notado são cabeças baixas e risos nervosos, e evasivas, e negativas à simples menção do “assunto”. Triste!
Ah, não posso deixar de discorrer sobre a falta de entendimento. O significado do 20 de Novembro, Dia da Consciência Negra, está sendo deturpado. Já tinha notado isso, mas ficou mais nítida essa deturpação quando recebi uma ligação de minha mãe que, mesmo que num tom brincalhão, me parabenizou pela data (preciso conversar com ela). E essa minha percepção se reafirmou hoje enquanto lia o quadro “Frases da Semana”, do jornal O Globo. Uma das frases é da fundadora do GRES Império Serrano, Tia Maria, de 88 anos: “Esse negócio de dia no negro é besteira. Prova de que o racismo continua. Por acaso, existe dia do branco?”.
Minha demagogia [e hipocrisia] não é tanta para que concorde com todas as opiniões com base na idade ou realização de pessoas. Respeito, sim. Compreendo, até porque a frase vai ao encontro do que exponho. Mas não concordo. Será que a instituição do Dia do Índio também teve a mesma, digamos, resistência?
Com relação à distorção do significado, imaginem (hora de minhas analogias) que um grupo de físicos nucleares se junta e cria algo extremamente benéfico para a população. Concretizada a invenção, eles expõem à sociedade de forma que todos comemoram. Vocês acham que todos os que comemoram têm total entendimento da “criação”? Creio que não. Seriam, então, burros? Não, de maneira alguma. Não entendem porque a linguagem usada para transmitir e explicar a “criação” foi a mesma que os tais físicos nucleares usaram entre si.
É o que me parece ter sido a causa dessa distorção. Algumas pessoas (políticos, acadêmicos, intelectuais, alguns ativistas do movimento negro, etc) se juntaram, conversaram, discutiram, analisaram sob alguns aspectos uma determinada questão e, voilà, temos o 20 de Novembro. No meu entendimento, data de grande importância.
Mas o reflexo de ter sido passado algo sem entendimento, embora, como já disse, de grande importância (não apenas para mim), para uma sociedade já castigada intelectualmente por um projeto de dominação pela ignorância, é justamente esse: começam a considerar o dia 20 de Novembro como “Dia do Negro”.
O 20 de Novembro, Dia da Consciência Negra, é uma data simbólica, definida em (co)memoração a morte de Zumbi dos Palmares. É “Negra” por ter como foco principal a trajetória histórica do negro (preto e pardo) na sociedade brasileira do passado (escravidão, resistência, libertação – e seus efeitos até os dias de hoje) e atualmente (preconceito, racismo, desigualdade, exclusão – e seus efeitos até sabe-se lá quando), assim como toda a contribuição do negro para a sociedade em diversos aspectos, tais como cultura, religião, culinária, etc. E a “Consciência”, o conhecimento, a noção, a percepção de todos esses aspectos, não é (pelo menos não deveria ser; caso contrário, de pouco ou nada vale) exclusiva dos que têm ascendência ou descendência afro-brasileira, e sim para todos, mulheres e homens, crianças, jovens e velhos, independentemente da cor de sua pela, da cor da pele de seus antepassados ou da de seus descendentes.
Essa “consciência” significa uma relação da alma consigo mesma, uma relação intrínseca ao homem, “interior” ou “espiritual”, pela qual ele pode conhecer-se de modo imediato e privilegiado e por isso julgar-se de forma segura e infalível. Aqui no sentido filosófico (ABBAGNANO, 2000) que, num quadro de interioridade, possibilita indagações a respeito de sua realidade. Ou mesmo no dicionário, que a define como: 1) Atributo pelo qual o homem pode conhecer e julgar sua própria realidade; 2) Faculdade de estabelecer julgamentos morais dos atos realizados.
Esse tipo de consciência deve ser permanente. Não apenas nas considerações raciais (sentido sociológico) ou sociais. Deve estar presente na consideração das relações humanas.
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