sexta-feira, agosto 08, 2008

Por eleições limpas

A propósito da decisão do nosso Supremo Tribunal Federal em liberar a candidatura de pessoas que respondem a processo ou, no popular, que têm a ficha suja, gostaria de externar meu descontentamento. Estando tudo no âmbito jurídico, ora, por que então não julgam e decidem se fulano é ou não inocente e, com isso, apto a assumir cargo público? Por que então, na dúvida e seguindo o nobre princípio da presunção de inocência, permitem que determinadas pessoas assumam postos em prefeituras, governos estaduais e federais para, depois, apresentarem mais uma brecha jurídica ou usarem da técnica hermenêutica tão característica para, numa interpretação que soa viciada, manter o indivíduo, mesmo com culpa provada ou indiciada, no cargo?

Vejo nisso uma triste leniência com um mal que a Corte maior deveria, com seu poder e sua competência, combater.

Um detalhe me veio à mente quando do início desta discussão com o propósito de saber se é ou não permitida a impugnação de candidatura nos casos de ilicitudes por serem julgadas/verificadas. Trata-se de outro concurso público. Sim, pois o processo eleitoral, grosso modo, é um concurso para que um candidato assuma um posto para o qual não cabe indicação direta.

Trabalho num grupo que, embora tido como empresa pública, tem em seu capital social menos de 40% de participação da União. Como é exigido por lei, embora não saiba aqui indicar qual, meu ingresso se deu por concurso público. Concorri com dezenas de milhares de pessoas para hoje ter um cargo e uma função dentro do grupo. No processo seletivo ao qual me sujeitei junto com outras tantas pessoas, tive de provar várias coisas, tais como não ser um analfabeto funcional (li, escrevi, demonstrei entendimento e respondi), estar quite com minhas obrigações eleitorais e militares, estar apto física, biológica e psicologicamente para o exercício das atribuições inerentes ao cargo e, este que calhou lembrar a tal decisão do STF, ter a "ficha limpa".

Claro, a expressão nunca seria usada num edital assim como não foi usada no caso eleitoral vigente, apesar de ter sido cunhada ao sabor do coloquialismo jornalístico. O eufemismo usado no documento foi "Levantamento Sociofuncional", parte dum esquema maior intitulado "Qualificação biopsicossocial", que engloba os itens anteriores e incluí verificações diversas, inclusive, segundo consta, na política. Interessante que esse levantamento é, em todo ou em parte, isso não está claro, realizado pela segurança patrimonial/institucional.

Meu cargo é de nível médio, função administrativa e hierarquicamente mais inferior na pirâmide organizacional. Mas, nada mais justo, foi preciso saber se eu era "confiável" ou pelo menos reduzir as chances de arrependimentos no processo, sendo a confiabilidade muitas vezes relativa.

O mesmo, como se vê, não se aplica aos cargos cujas atribuições e "poderes" criam possibilidades (para pessoas com falta de caráter) de apropriações indevidas do erário público, geração/aumento de pobreza e fome como conseqüência dos crimes diretos e seus efeitos e/ou pela incompetência administrativa e falha na governança. Falhas, desvio e crimes que em nada parecem contribuir para que a Justiça tire a venda, olhe, enxergue e atue de forma coibitiva, punitiva, repressiva...

Assumo aqui minha falta de entendimento com tudo isso. Defendo, com base no exposto, a realização de concurso público para que o candidato esteja apto a ocupar o cargo.

E apóio a campanha da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) - a mesma que teve sua ação direta de inconstitucionalidade (a que pretendia barrar candidaturas de políticos que respondem a processos ou têm condenações na Justiça) julgada improcedente pelo STF - por Eleições Limpas.

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