sábado, maio 02, 2009

Relativizando o erro

Imaginem o seguinte: Nossos tempos… estupro é crime, certo? Será que em algum momento da história recente da humanidade esse ato abominável foi tido como normal? Não sei, mas não me surpreenderia se a resposta fosse positiva. É tanta escrotidão! Imaginem agora um cidadão de nossos tempos que reconhecendo – mesmo que precariamente, pois esse é seu jeito político – ser o estupro um crime, diz ter praticado no passado e não vê razão para tanto alvoroço após ser noticiado que esse absurdo é praticado corriqueiramente, nos dias de hoje, por um grupo de pessoas com as quais aquele cidadão se relaciona. Diz ele: “Eu não vejo onde está o tamanho do crime que as pessoas estão vendendo”.

Esse tipo de estupro acontece com o dinheiro público, com os recursos que deveriam ser empregados para o bem de toda uma população, e é usado como algo privado por políticos que pensam (pensam não, acreditam, têm certeza) que estão lá fazendo um favor, que uma vez lá tudo podem, que estão acima da lei, acima da ética e da moral. Esquecem-se, se é que em algum momento pensaram, que são SERVIDORES.

Assistam a reportagem abaixo. Vidas Alagadas: crianças enfrentam a natureza para ir à escola na Amazônia. É parte de uma séria exibida recentemente no Jornal Nacional. Pode não parecer, mas tem certa ligação com a história sórdida que ocorre no Congresso e no Planalto. Algo como causa e efeito.

O cidadão que cito no início é o Luiz da Silva, o “cara”. E esse “cara” ainda questiona: “Qual é o crime de um deputado levar a mulher para Brasília?” Nenhum Luiz. Mas que tal usar o salário que recebem mensalmente, além de todos os adicionais, para comprar a passagem de suas amadas?

Comigo as desculpas desses “caras” não colam. As defesas calorosas, as lágrimas (até isso!), as lamentações… me enojam! Mas quem sabe, com a lábia que o Luiz e os seus têm, consigam explicar à pequena Luziane e seu irmãozinho, que vão de bote remando, enfrentando os riscos, chuvas, para chegar à escola em Tapará-Grande? Quem sabe não consigam convencê-los de que é mais justo para todos que deputados, senadores, ministros recebam tantos benefícios em transportes? Que o valor gasto até hoje nessa farra parlamentar e ministerial seria o suficiente para comprar e manter um barco seguro que os buscassem todos os dias e os levassem à escola em segurança, ao abrigo da chuva, para que guardassem seus esforços e suas preocupações somente para o aprendizado… Mas como ficariam as esposas, os líderes sindicais agraciados com passagens, os parentes e os filhos desses “caras” em suas viagens ao exterior?

Ou quem sabe esses “caras”, com sua conversa fiada, consigam convencer aquele estudante que teve de abandonar os estudos, pois não tinha como bancar o transporte. Poderiam usar desculpa esfarrapada parecida num bate-papo com os familiares daquela idosa que não teve ambulância para ser transportada de um hospital para outro e teve ser levada, de favor, num carro de passeio. Ou de tantos outros brasileiros que não têm o mesmo benefício de transporte que nossos admiráveis representantes.

Espero que Luziane não se convença, não se compadeça de nenhuma história pra-boi-dormir. Espero que os esforços dela e de seu irmãozinho, nessa luta diária por educação, se consolidem numa formação sólida e num olhar crítico sobre sua situação, e que no futuro ajude o país a extirpar essa corja que habita os ambientes públicos.

Até que os políticos aprendam que não estão acima do bem e do mal, que seus erros e crimes não podem ser relativizados, os abusos continuaram, as violações serão tidas como normais. Até lá continuaremos remando nossos botes para que “caras”-de-pau viajem de primeira classe, com seus parceiros e parentes. E nossas vidas continuarão alagadas nesse mar de podridão.

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