domingo, maio 05, 2013

Concursos nossos de certos domingos


Já reparam como são bonitos os dias de concurso público? Quase sempre tendo uma noite anterior enluarada e quente, com várias propostas de cerveja e outras tentações que terminam tarde da noite, ou pela manhã, levando suas forças e sua disposição e, no lugar, deixando um dor de cabeça persistente, e sono, muito sono. Geralmente são dias de sol, de céu azul… Bem convidativos para uma praia, uma caminhada, um churrasco… um chopp. Sabe como é… uma coisa leva a outra. Tudo, menos ficar uma manhã ou, algumas vezes uma manhã e uma tarde, numa sala com pessoas que (verdade seja dita e pelo menos naquele momento) não querem o sucesso uma das outras. Além disso, mais que candidato, você é suspeito. Por isso mesmo, será atentamente observado, seus movimentos serão acompanhados de perto por várias pessoas.

Hoje foi um desses domingos. Com certeza deu praia. Como me preservei na noite anterior, eu acordei cedo e fui concorrer a uma vaga, ou melhor, a uma possível vaga (o malicioso cadastro de reserva) numa empresa pública.

Se no mundo “normal” as pessoas encontram amigos num dia de sol, seja na praia, no parque, na rua, num bar, no mundo dos concursos não é diferente. É comum ouvir “só assim nos encontramos…”. Pessoas que não se veem desde os tempos da faculdade se esbarram nos corredores das instituições onde ocorrem as provas. Aí é uma festa, claro. Momento para descontrair, fazer piada, saber da vida um dos outro, fofocar, saber do mercado, das expectativas, das perspectivas, das novidades.

Outra pergunta bem típica nessas ocasiões é “e aí, você estudou?”, geralmente seguida de respostas como “estudei nada!” ou “só dei uma lida” ou “pô, trabalhando direto, só vim porque paguei”.

São comuns também as brincadeiras ácidas, como quando um colega deseja que você “passe mal durante a prova”, ou outro que coloca o pé na sua frente (claro, de modo que você veja) e te olhe rindo e pergunta “diminuindo a concorrência, né?”. Ou ainda aquele cumprimento afável “que pena te ver por aqui”.

É um dia interessante. Peculiar.

Hoje não foi diferente. E, ao me deparar com situações tão comuns nesses dias, não pude deixar de recordar os concursos idos.

Falarei um pouco sobre as situações. E foram tantas situações…

É sempre bom ter algo para comer durante a prova. Comer e beber. Afinal, a maioria das provas tem duração de quatro horas, talvez mais. E o preparo físico faz parte da prova. É eliminatório. Eu costumo levar uma fruta, mas é raro. Tenho o péssimo hábito de não comer entre o café da manhã e o almoço. Hoje, por exemplo, não levei nada. Comprei água pouco antes de entrar no local. Opa, um parêntese… No momento da compra eu ouço “água se traz de casa”. Grata surpresa. Uma colega de faculdade. Os minutos seguintes foram de atualizações.

Mas voltando aos comes e bebes… Muitas pessoas levam biscoitos, refrigerantes, e outras guloseimas. Toda bebida, claro, representa um risco imediato. Molhar o cartão resposta não é algo que se almeja. Não para si, hehehe. Mas o biscoito é uma arma (guardem essa palavra), talvez, ainda mais perversa. Ter o silêncio sepulcral da sala maculado pelo som da destruição de substância alimentícia ao ser esmagada por “uma estrutura dura, saliente e esbranquiçada composta por polpa, dentina e esmalte” é algo que abala os nervos e compromete o raciocínio (ou divagações) durante a prova. Hoje um colega me proporcionou um desses momentos. Ponto pra ele.

O inferno são os outros”. Talvez Sartre tenha feito alguma prova de concurso público. Assim como a alimentação alheia, naquele momento, pode significar seu fracasso (hoje eu tô dramático), o movimento alheio também pode ter esse efeito.

Se existe algo que me apavora nessas provas é a proximidade das carteiras e o tráfego indiscriminado de meus arqui-inimigos momentâneos, “os outros”. O nervosismo deveria se expressar por sono profundo, desistência pura e simples ou mesmo paralisia momentânea (além de dramático, cruel). Mas o que se vê são espasmos musculares, mudanças abruptas de posição, sessões de percussão onde pés, mãos, canetas viram instrumentos musicais desritmados. Além, é claro, do funcionamento indisciplinado do sistema urinário.

Nesses momentos, cuidado! Esses “outros” passarão bem próximo de você, esbarrarão em você com o intuito inconsciente (ou não… lembrem: eles são “os outros”) de derramar aquela garrafa d’água que você, imprudentemente, deixou em cima da carteira. Ou, mais comumente, essa colisão ocorrerá no exato momento em que a ponta de sua caneta esferográfica de tinta preta e de material transparente estiver em contato com a superfície do documento único e insubstituível onde você deve marcar as respostas. Isso já ocorreu comigo.

Os outros. Já reparam como algumas pessoas “acabam” a prova em tão pouco tempo? Hoje, por exemplo, uma menina que chegou esbaforida, em cima da hora, e falando com alguém sobre ter ido de bicicleta (imprudente gasto energético pré-prova), entregou a prova menos de uma hora após o início. Não dá tempo! É quase impossível! Mas, o irracional, tão presente, nos diz “Tá vendo? Ela já acabou! E você, seu lerdo, nem chegou à segunda página! Anda logo com isso, seu bocó!”. Logo, hoje desenvolvi uma teoria esdrúxula: essas pessoas irritantes são contratadas por algum dos “outros” para desequilibrar mental e emocionalmente os demais.

Bem, eu posso não ler o edital (aliás, isso é raro, se é que li por completo alguma vez), mas existem instruções básicas para a realização de uma prova. E a mais básica é: caneta esferográfica de tinta preta e de material transparente. E pode apostar, sempre haverá alguém que, já na sala, reagirá com surpresa a esse detalhe. E hoje não foi diferente. O “outro”, uma menina, não esqueceu o creme com que lambrecou displicentemente as pernas (preparo para a prova?), mas ficou espantada com a observação da “caneta esferográfica de tinta preta e de material transparente”.

Aliás, essa exigência me faz lembrar a sagacidade de nossos vendedores ambulantes. São mais bem informados que muitos concurseiros. Já nos acessos ao local das provas sempre haverá um alertando sobre a “caneta esferográfica de tinta preta e de material transparente” e, claro, ofertando a mercadoria. Esse fenômeno também pode ser observado naqueles dias que não parece que vai chover (e você está desprevenido, claro) e cai aquele toró. Logo haverá alguém vendendo “familhão” por 10 reais. Ou, durante o carnaval, caso queiram saber onde será o bloco, siga o camelô empurrando um carrinho de cerveja. Mesmo princípio.

Mas, continuando…

Os “outros” podem estar armados. Cuidado!! É isso mesmo. Armas. E não falo de biscoitos crocantes dessa vez. Numa prova recente, num domingo de sol, lá pelas bandas do Méier, me surpreendi (rindo, incrédulo) com a pergunta da fiscal de sala para a turma, durante os avisos iniciais: “Pessoal, alguém está portando arma?”. A formalidade foi esquecida nesse momento e perguntei sobre aquele questionamento, novidade para mim. Ela sentou e, como havia tempo para o início, contou a história inusitada. Disse que, durante um concurso organizado por aquela instituição, um homem foi surpreendido durante a revista na saída do banheiro (para quem não sabe, o uso de detector de metais é regra) com… pasmem… três (isso mesmo, 3) armas. Devidamente presas em coldres espalhados pelo corpo, inclusive um na canela. Detalhe: ele não era policial. Mais detalhe: justificou-se dizendo que era para se proteger, pois era uma área de risco e coisa e tal.

Bem, o único risco ali (além dele, claro) era ser reprovado. Um risco ao qual, obviamente, ele sucumbiu. Devidamente desarmado, ao ser expulso do local.

Continuemos…

Os rituais. Ah, essa é outra parte interessante desses domingos de sol. Cromoterapia pura e aplicada (o amarelo ajuda) é um exemplo. Leituras antes da prova são frequentes. Eu, no caminho, estava lendo um romance. Algumas pessoas levam apostilas e resumos, que só guardam no último segundo. Alongamentos, exercícios respiratórios… Preces são comuns. Afinal, entre a bibliografia proposta mais o catatau de legislação exigida… bem, apelar ao divino parece ser mais rápido. Por falar no divino, um dos momentos mais marcantes desses anos de concurso público foi durante o vestibular. Acho que foi numa prova da UFF. O local eu lembro bem, Colégio Zaccaria, no Catete. Estava sentado próximo à janela, senti um cheiro diferente, mas só me virei para conferir quando houve um zum zum zum e o fiscal da sala se aproximou para advertir um rapaz. Razão: um sujeito, meio bicho-grilo, havia fixado e acendido um incenso na carteira a sua frente e estava em posição de lótus meditando. Acreditem. Isso ocorreu. Eu estava lá. Quem deve se lembrar bem é a menina da carteira onde o incenso foi fixado. Eu não esqueço a expressão de incredulidade e ódio dela cheirando próprio cabelo (cabelos longos!), claro, devidamente defumado. Não preciso dizer que esse “evento” desconcertou boa parte da turma (a menina, principalmente).

Não sucumbi ao ataque desse “outro” zen. Passei para a UFF!

É. Esses são os concursos nossos de cada domingo. Domingos de Sol. Nossos e, claro, dos “outros”.

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