Ultimamente – e mais uma vez – tenho sentido uma imensa
dificuldade em me expressar de forma escrita, de “alimentar” esse espaço com
meus pensamentos. Concatenar tudo que se passa nessa mente conturbada é
complicado. E, se Bukowski disse que “essas palavras me protegem da mais
completa loucura”, então esses hiatos, esses silêncios, essa minha incapacidade
crônica em transfazer idéias em letras, contribuem para uma insanidade
corrosiva. Isso porque essas tais palavras, mais do que compartilhadas,
precisam ser expulsas daquele que escreve em busca [também] de certa
normalidade psíquica, mental, emocional. Escrever é, pois, catarse.
Se a vida é matéria para a escrita, essa última tem insumo farto.
Disso não há dúvida. Vivemos com relativa dificuldade ou relativa simplicidade.
Vivemos muito, vivemos pouco. Vivemos de forma plena e intensa, vivemos de
forma restrita e esmorecida. Vivemos com muito, vivemos com pouco. Vivemos
buscando conhecer, vivemos buscando ignorar. Acertamos, erramos. Aprimoramos,
consertamos. Aprendemos com os erros, insistimos nos erros. Mas vivemos.
Morremos um dia, mas vivemos um dia. Morreremos um dia, mas viveremos até esse
dia. Vivemos até morrermos absolutamente. Vivemos até morrermos relativamente.
Vivemos absolutamente até morrermos. Vivemos relativamente até morrermos. Mas
vivemos.
Portanto, é a vida que nutri a escrita. A minha escrita. E é
nela, a vida, que busco inspiração.
A rotina, ou a falta dela, parece para mim tão simplória,
sem densidade, sem novidade, desestimulante, às vezes até vazia. Casa,
trabalho, descanso semanal, atividades e relações domésticas, passeios, almoços,
jantares, família, a minha, a dela… E tudo isso tão cheio de certezas, dúvidas,
aborrecimentos, prazeres, saudades, planos, lembranças, esquecimentos, agonias,
alegrias, tristezas, lágrimas, risos, decepções, contentamentos, lamentações,
esperanças, desejos e abnegações, mudanças e impermanências, verdades e
mentiras, derrotas e vitória, proximidades e distâncias…
Não é preciso escrever precisamente sobre isso. Mas é
precisamente por isso que escrever é preciso.
Hoje o silêncio foi mais ensurdecedor que o maior e pior dos
barulhos. A sala estava vazia. Não havia coragem, não havia força, não havia
verdade, não havia sinceridade, não havia razão. Embora reunidos, havia
separação. O que não foi dito é o relevante nesse mundo onde o silêncio é
criticado e a crítica é silenciada
Hoje a lembrança e a vontade foram mais fortes. A saudade
mais intimamente evidente. Hoje houve planos, de mudanças, de verdades, de
proximidade. Hoje tive dúvidas, tive certezas. Hoje não verti lágrimas. A
proximidade foi desejada e a distancia, abnegada.
Hoje vivi minha vida imprecisa.
Hoje eu não precisei viver.
Hoje eu precisei escrever.
“Escrever é preciso, viver não é preciso”… um plágio
adaptado, confesso. O original – “navegar é preciso, viver não é preciso” – surgiu
em minha vida numa enriquecedora experiência prestando serviços para o setor
marítimo. Na frase original, assim como intento em minha… adaptação, o verbo
precisar pode assumir (conforme o gosto) o significado de precisão/exatidão e/ou
necessidade.
2 comentários:
"There is a tide in the affairs of men
Which, taken at the flood,leads on to fortune;
Ommited, all the voyage of their life
Is bound in shallows and in miseries.
On such a full sea are we now afloat,
And we must take the current when it serves,
Or lose our ventures."
Julius Cesar - Shakespeare
Eu fico com o "viver não é preciso" (de precisão). Necessário, deve ser, estamos aqui...
Lindo texto.
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