sexta-feira, dezembro 24, 2010

Deus, agnosticismos, ateísmos e outras coisas

Recentemente um jovem amigo anunciou uma descoberta pessoal. Disse ele: "sou ateu!". Disse que pensava nessas questões de crer e não crer há algum tempo, que já tinha uma visão crítica, mas agora tinha certeza. Interessante observar o fato de sua família ser predominantemente católica e tal postura, descoberta ou certeza veio após assistir ao documentário Religulous.

Algumas semanas antes desse "anúncio", li um bilhete - muito bonito e bem escrito... à mão - de minha irmã. Ali ela expressava sua felicidade por encontrar conforto em sua fé e como isso estava sendo importante para ela. Não entrarei em detalhes, mas confesso minha emoção não apenas por ver que minha irmãzinha esta se expressando tão bem na forma escrita e demonstrando maturidade, embora com certo ar adolescente, num assunto tão delicado. É claro que não perdi a oportunidade de escrever, também à mão, um elogio e um pedido para que sempre lidasse e vivesse as questões de fé com muito respeito.

Uma coisa que devem saber sobre mim é que não sigo nenhuma religião, procuro respeitar todas as formas e manifestações de religiosidade, porém, não deixo de criticar algumas práticas e instituições (e seus líderes) quando "pecam" em questões básicas sobre ética e moral, colocando interesses cretinos acima de um bem maior para a humanidade. E, embora não seja religioso, em minhas três décadas de vida tive a oportunidade de tomar contato com diversas práticas.

Mas vou me ater ao tal anúncio. Ah, por favor, não esperem que eu pregue a velha ladainha de que "todos temos de ter uma religião". Respeitando o próximo, sendo ético nas ações, cada um que siga o caminho que melhor lhe aprouver.

A verdade é que não pude deixar de pensar nas mudanças que vivenciei até aqui. Mudanças no modo de encarar a vida, o mundo. Os questionamentos que nos fazemos a todo o momento. As certezas de outrora que se tornam duvidosas. Duvidas que ficaram no passado. Adaptações pelas quais passamos, de forma inconsciente, para continuar vivendo e convivendo. O tradicional de então tido como normal e hoje visto como antiquado, o moderno de hoje que se tornou normal, embora tenha sido considerado muitas vezes como tabu.

A humanização da crença em Deus é um desses casos. O "deus" que fui criado para acreditar era um senhor branco, barbudo, sentado nas nuvens e que volta e meia lançava castigos por um ou outro pecado cometido por nós, seres humanos inferiores. Isso, por si só, já poderia ser considerado um fator para crítica em um modo de acreditar em Deus um tanto forçado. Mas é um exemplo extremo.

O fato é que as religiões não parecem ter se desenvolvido ao longo dos séculos para suportar críticas. As religiões são como instituições totalmente dissociadas da condição humana.

Sei que o mito é parte integrante de todas as crenças. Creio que todas têm lá seu misticismo, suas histórias fantásticas, suas filosofias, que atuam como ferramenta de compreensão da fé professada por essa ou aquela religião e não para serem considerados ao pé da letra. Mas também pode ter efeito contrário, justamente quando tais mitos são considerados como fatos e, assim, são alvos de análise crítica.

Por isso, declarações do tipo "eu não acredito em Deus" ou "Deus não existe" deveriam ser abordadas de outra forma. Na ocasião do tal anúncio, eu, um sem-religião, não pude deixar de argumentar com aquele jovem amigo que o que estava em jogo ali não era Deus e sim a concepção Dele.

Ateísmo ou agnosticismo?

Consultando as definições de ambas as doutrinas, percebo que talvez muitos dos que se declaram ateus, nada mais são do que agnósticos.

Ateísmo: doutrina ou atitude de espírito que nega categoricamente a existência de Deus, asseverando a inconsistência de qualquer saber ou sentimento direta ou indiretamente religioso, seja aquele calcado na fé ou revelação, seja o que se propõe alcançar a divindade em uma perspectiva racional ou argumentativa

Agnosticismo: doutrina que reputa inacessível ou incognoscível ao entendimento humano a compreensão dos problemas propostos pela metafísica ou religião (a existência de Deus, o sentido da vida e do universo etc.), na medida em que ultrapassam o método empírico de comprovação científica

Com isso, vejo que a questão central não está em crer ou não na existência de Deus. A questão é a concepção de Deus. A forma como cada um concebe deus fica um tanto engessada por uma cultura imposta seja por instituições criadas por pessoas (e não por uma inspiração divina; e muitas com viés político) seja por cultura imposta ou perpetuada no âmbito familiar, social, etc. É tudo muito reto, imutável, tudo muito estabelecido.

Lembrando que não estou aqui discutindo criacionismo versus evolucionismo. Falo de religião. E, falando em religião, posso tranquilamente declarar que não acredito na concepção de deus instigada em mim desde a infância. Da mesma forma, e com igual tranquilidade, posso declarar hoje que percebo ou concebo Deus em coisas simples, como uma paisagem bonita, uma brisa num dia quente, um momento feliz em família ou entre amigos, num sorriso sincero, num ato de bondade desinteressado...

Ele... Buda, Olodumare, Alá, Jeová, Brama, as Coisas Boas, Alegria, Paz, Saúde, Serenidade, Uma Força Maior, a Natureza, o Acaso, o Caos... está no meio de nós. Que assim seja, verdadeiramente, Amém!

2 comentários:

Liana disse...

Infelizmente, para pessoas que tem um mínimo de consciência, o Deus cristão que tem sido pregado em larga escala na mídia e em grandiosos templos, às vezes parece estar muito distante da humanidade que Ele mesmo criou e a presença dele é "percebida" somente em grandiosos milagres e nas coisas simples é esquecido... Mas, com certeza, no sorriso da criança, na alegria em família, num abraço apertado e sincero, na amizade saudável e sincera... Isso é dádiva de Deus!
Como cristã, creio: Jesus, filho de Deus, é nosso Salvador e deve ser nosso Senhor, Ele é alguém que nos conhece, conhece nossa humanidade e é perfeito para nos receber, nos amar e compartilhar tudo conosco e está muito longe desse barbudão castigador, analisando seu nascimento, sua vida e ministério percebemos isso. Infelizmente, coisas simples poucos querem, por isso que "a porta é estreita..."
Seu texto é lindo! No final, eu fico com Jeová! rs. E oro para que todos nós O conheçamos de verdade!

Liana disse...

Sobre "pequenos" milagres, Stênio Marcius e Silvestre (linda canção, vale a pena ouvir, caso possa e queira): http://www.youtube.com/watch?v=d-a6qDWrXCY&list=PL1792BB5751BAFB48&index=10&playnext=7

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