sexta-feira, abril 11, 2014

Obstáculos anti-maravilha

É uma aventura, por vezes perigosa, andar pelas ruas do Centro do Rio de Janeiro.

Temos de desviar de buracos, nas calçadas malcuidadas, desniveladas e construídas porcamente. Rasgadas pela proposta de progresso que tenta se implantar sem a devida ordem.

Temos de desviar do esgoto que aflora das entranhas velhas da cidade, construída para suportar uma pequena parte do que hoje é lançado em seu agonizante e desatualizado sistema.

Temos de desviar de obras, algumas que parecem intermináveis, outras que surgem no pacote das promessas para os eventos tão aguardados.

Temos de desviar do trânsito, cada vez mais caótico e que muda a cada realocação de cones e posicionamento dos tantos auxiliares desinformados que ali estão. Despreparados, mal treinados, mas empregados, cumprem uma carga horária para empresas terceirizadas, contratadas pelos nossos prestimosos governantes em tenebrosas transações.

Temos de desviar dos vendedores ambulantes, que tomam conta das calçadas, armazenando e vendendo todo tipo de mercadoria. Algumas vezes de forma sazonal, outras de modo permanente. Algumas vezes em hordas migratórias, buscando o melhor ponto de venda ou o horário mais adequado, acordado e conhecido, para não serem “incomodados” pela Guarda Municipal (omissa, conivente, inerte e despreparada).

Temos de desviar de nossas misérias, que se materializam na forma de tantos seres humanos vivendo como animais, em condições degradantes e que têm nas ruas do Rio sua casa, seu terreno, sua cama e sua latrina.

Temos de desviar dos que pedem. E são tantos. Uniformizados ou não, organizados ou não. Alguns com crianças, alguns com pranchetas. Alguns daqueles com crianças, explorando criminosamente o que seria nosso futuro. Aqueles com pranchetas, vestindo camisas de diversas instituições, se multiplicam e se revezam numa abordagem inconveniente e inoportuna.

Temos de desviar dos que tomam. Crianças, adolescentes e adultos, respaldados pela inércia das autoridades, pela ineficiência de nossa legislação e pela incompetência de nossos gestores. Roubam de cabeça erguida, arrogantemente subtraindo nossos bens e nossa paz e nossa liberdade, adicionando a desconfiança e o medo, dividindo sua desesperança e multiplicando a violência.

Temos de desviar do irritante efeito externo dos milhares de aparelhos de ar-condicionado que foram instalados sem obedecer a Lei existente, que discorre sobre o gotejamento externo, e que não é cumprida, não é exigida, não é respeitada. Como tantas outras, a LEI N.º 2.749 DE 23 DE MARÇO DE 1999 simplesmente não pegou.

Temos até mesmo de desviar dos que desviam, das pessoas que parecem caminhar seguindo a sinuosidade dos desenhos das maltratadas calçadas portuguesas, das pessoas que seguem egoistamente seus caminhos tendo como horizonte a tela de seus celulares.

E, por fim, infelizmente estamos desviando nosso olhar dos numerosos e centenários monumentos, das paisagens que tanto encantam o mundo, registradas em cartões postais e em nossa memória (os que têm a sorte de pelo menos em memória guardar tais imagens).

O Rio de Janeiro continua lindo. Mas são muitos os obstáculos que nos impedem de ver tamanha beleza.

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