É uma aventura, por vezes perigosa, andar pelas ruas do Centro do Rio
de Janeiro.
Temos de desviar de buracos, nas calçadas malcuidadas, desniveladas e
construídas porcamente. Rasgadas pela proposta de progresso que tenta se
implantar sem a devida ordem.
Temos de desviar do esgoto que aflora das entranhas velhas da cidade, construída para suportar uma pequena parte do que hoje é lançado em seu agonizante e desatualizado sistema.
Temos de desviar de obras, algumas que parecem intermináveis, outras
que surgem no pacote das promessas para os eventos tão aguardados.
Temos de desviar do trânsito, cada vez mais caótico e que muda a cada
realocação de cones e posicionamento dos tantos auxiliares desinformados que ali
estão. Despreparados, mal treinados, mas empregados, cumprem uma carga horária
para empresas terceirizadas, contratadas pelos nossos prestimosos governantes
em tenebrosas transações.
Temos de desviar dos vendedores ambulantes, que tomam conta das
calçadas, armazenando e vendendo todo tipo de mercadoria. Algumas vezes de
forma sazonal, outras de modo permanente. Algumas vezes em hordas migratórias,
buscando o melhor ponto de venda ou o horário mais adequado, acordado e
conhecido, para não serem “incomodados” pela Guarda Municipal (omissa,
conivente, inerte e despreparada).
Temos de desviar de nossas misérias, que se materializam na forma de
tantos seres humanos vivendo como animais, em condições degradantes e que têm
nas ruas do Rio sua casa, seu terreno, sua cama e sua latrina.
Temos de desviar dos que pedem. E são tantos. Uniformizados ou não,
organizados ou não. Alguns com crianças, alguns com pranchetas. Alguns daqueles
com crianças, explorando criminosamente o que seria nosso futuro. Aqueles com
pranchetas, vestindo camisas de diversas instituições, se multiplicam e se
revezam numa abordagem inconveniente e inoportuna.
Temos de desviar dos que tomam. Crianças, adolescentes e adultos,
respaldados pela inércia das autoridades, pela ineficiência de nossa legislação
e pela incompetência de nossos gestores. Roubam de cabeça erguida,
arrogantemente subtraindo nossos bens e nossa paz e nossa liberdade,
adicionando a desconfiança e o medo, dividindo sua desesperança e multiplicando
a violência.
Temos de desviar do irritante efeito externo dos milhares de aparelhos
de ar-condicionado que foram instalados sem obedecer a Lei existente, que
discorre sobre o gotejamento externo, e que não é cumprida, não é exigida, não
é respeitada. Como tantas outras, a LEI N.º 2.749 DE 23 DE MARÇO DE 1999
simplesmente não pegou.
Temos até mesmo de desviar dos que desviam, das pessoas que parecem
caminhar seguindo a sinuosidade dos desenhos das maltratadas calçadas portuguesas,
das pessoas que seguem egoistamente seus caminhos tendo como horizonte a tela
de seus celulares.
E, por fim, infelizmente estamos desviando nosso olhar dos numerosos e centenários
monumentos, das paisagens que tanto encantam o mundo, registradas em cartões
postais e em nossa memória (os que têm a sorte de pelo menos em memória guardar
tais imagens).
O Rio de Janeiro continua lindo. Mas são muitos os obstáculos que nos
impedem de ver tamanha beleza.