Eu, a academia, e os três sujeitos do Arquivo.
Em minha vida acadêmica (sic) participei de pouquíssimos eventos. E após ter terminado a graduação (que considero uma de muitas etapas de minha formação) tento, sempre que possível, me fazer presente em certos acontecimentos. Além, é claro, de leituras e reflexões.
Recentemente participei do 7° Seminário Internacional Arquivos de Tradição Ibérica. O seminário, organizado pelo Arquivo Nacional brasileiro e pela Associação Latino-Americana de Arquivos (ALA), teve como tema as Funções Arquivísticas e a Preservação Documental.
Além da oportunidade de participar do evento em si – de caráter internacional – a ocasião me possibilitou rever colegas e professores da universidade. Além de me atualizar com relação às novidades do setor, tanto no mercado de trabalho, como também no desenvolvimento acadêmico.
O distanciamento pós-graduação, que se deu por motivos que não vou relatar aqui, fizeram com que eu me sentisse ao mesmo tempo deslumbrado e bastante crítico no decorrer das apresentações. O deslumbre, talvez com um misto de admiração e reverência, se dá por ver o quão interessante é o campo de atuação do profissional da informação, em especial para o Arquivista (e nesse ponto confesso um sentimento quase de perda). A visão crítica é bem provável que se relacione com a confortável posição de quem não está envolvido diretamente. É o olhar de fora.
Mas penso que esse olhar crítico deve ser considerado e respeitado. Recentemente, para desenvolver um trabalho na empresa, solicitei a participação de alguém de fora, por considerar estar tendo uma visão talvez muito próxima, talvez muito preconceituosa, talvez viciada do ambiente em que deveria atuar. O distanciamento, nesse caso, se faz necessário.
A primeira coisa que me chamou atenção no evento foi a baixa participação dos graduandos. Sei que muitos trabalham e/ou estagiam* durante o dia, estudando à noite. Mas se considerarmos todos os alunos de todos os cursos da área na região, tenho certeza que a participação foi muito aquém do possível.
(*) A questão do estágio em Arquivologia (e talvez outros cursos) merece um destaque. É lamentável que o estagiário, com o conhecimento (e a inação) da instituição de ensino esteja sendo usado como mão-de-obra barata. E em condições onde não lhe é proporcionado, como deveria, participar de manifestações acadêmicas complementares a sua formação. É claro que não serei ingênuo o suficiente para não considerar o fator humano e social uma vez que existe, sim, o desinteresse e a necessidade de renda.
E, ainda relacionado com os estudantes, talvez seja preciso maior conscientização de que a participação em eventos acadêmicos não deve ser encarada como meramente protocolar, para constar em currículo. E não apenas de estudantes. Parece que profissionais já inseridos no mercado, acadêmicos ou não, também se portam de maneira um tanto inadequada nessas ocasiões. Ou talvez eu esteja ficando sisudo e rabugento demais. Mas o fato é que valorizo o momento, respeito e acabo por esperar que outros também o façam. É. Esse sou eu. Fazer o quê? Ao contrário do que aconselha o soneto, minhas ilusões da vida ainda não amadureceram.
Pude também notar que muitos profissionais, apesar do discurso, ainda possuem uma visão deturpada sobre o trinômio “acesso-preservação-usuário”. Como ficou claro no – talvez – ato falho ouvido durante uma apresentação, onde a palestrante falou em “proteção contra o manuseio”. Isso no mesmo evento onde, para efeito de análise e crítica, foi dado exemplo de um pesquisador que foi impedido de consultar uma publicação numa biblioteca ou arquivo sob alegação similar de proteção contra o manuseio. Isso me lembra a velha máxima do técnico de informática segundo a qual tudo ficaria bem se não fossem os usuários.
Preservação impedindo acesso é algo um tanto bizarro.
Alguns palestrantes lançaram questões simples e ao mesmo tempo interessantes e profundas acerca da preservação documental. Preservar para quem? Preservar para quando? Preservar para quê?
Pareceu-me algumas vezes que a ação de preservar assumia um significado de guarda diferente daquele que também garantiria, ou deveria garantir, o acesso. Essa guarda seria mais ao estilo dos mosqueteiros da informação, que bradariam um sonoro “em guarda!” a mínima aproximação do usuário-consulente.
Para dar alguma coerência ao título desta postagem, faço aqui uma reflexão de que precisamos considerar os sujeitos da informação. E tais sujeitos poderiam ser divididos em três categorias. Os primeiros seriam os ditos profissionais da informação, que englobaria os arquivistas, mas não apenas estes, desde os já atuantes no mundo acadêmico ou no mercado empresarial, mas também os estudantes, graduandos, pós-graduandos… Um segundo sujeito seria aquele que hoje demanda a informação para suas atividades, por mais diversas que sejam. O usuário do arquivo, o pesquisador, o funcionário de uma empresa que faz uso de uma informação registrada em diferentes suportes para que possa desempenhar suas tarefas, para que possa tomar decisões, para que possa comprovar uma ação… Um terceiro sujeito, apesar de ser considerado no presente, não faz hoje uso do arquivo. Não demanda no momento as informações registradas e, quando demandar, os suportes poderão ser bem diferentes dos existentes. Seria o sujeito do amanhã. Aquele para o qual hoje pensamos na preservação de longo prazo. Obviamente esse sujeito pode ser uma pessoa física, uma instituição, uma entidade pública, uma comunidade em busca de sua história.
Em minha monografia de conclusão de curso dediquei algumas linhas numa reflexão sobre o sujeito. Compartilho com vocês. Cliquem aqui ou aqui.
PLC 41 e o perigo da inação
Não poderia deixar de destacar também a excelente palestra do Ouvidor Geral da Controladoria Geral da União (CGU), José Eduardo Romão, que discursou de forma clara, objetiva e realista sobre o Projeto de Lei da Câmara (PLC) n° 41 de 2010, conhecida como a Lei Geral de Acesso à Informação.
O Projeto de Lei que hoje tramita no Senado, visa regular “o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal”. As observações feitas por José Romão mostraram que, embora a regulamentação seja imprescindível para consolidação de um Estado Democrático de Direito, o texto que tende a ser aprovado traz alguns aspectos de ordem prática (de aplicação efetiva, de cumprimento da lei, do dia-a-dia) que fogem a nossa realidade. Espero que o Arquivo Nacional, através de seu atual (e de longa data) presidente, se posicione dentro de sua prerrogativa para que a lei seja exeqüível e pare de se preocupar em treinar seu portunhol em público (ponto no mínimo incômodo do seminário). Assim também espero que os professores presentes (e alunos, por que não?) discutam o tema, uma vez que é essencial a participação dos arquivistas nessa questão.
A passividade limita a transparência e contribui com a opacidade.